domingo, 2 de junho de 2013

Purificação

Fernando segurou Vicky nos braços cuidadosamente. Os olhos dela estavam fechados, sua roupa rasgada e seu cabelo desgrenhado. Ele deitou-a sobre a cama e ficou a examiná-la por longo tempo até que decidiu fazer o que julgava necessário.

Acendeu as luzes para vê-la melhor. Ela estava suja e suas pernas, manchadas de vermelho. Seu rosto tinha batom além da boca e por baixo do vestido roto, já não havia roupa de baixo. Sentiu pena dela, pois sabia o quanto havia sido bonita um dia.

Com muita delicadeza tirou-lhe os trapos que ainda lhe cobriam, deixando-a totalmente desnuda. Em seguida, foi ao banheiro e trouxe uma bacia com água morna, sabão de coco, uma esponja, um pente e uma toalha. Primeiro, limpou-lhe o rosto, removendo o batom desnecessário, pois sua boca era naturalmente carmim. Vicky havia sido muito maltratada e ele tinha consciência que ela voltaria a ser. – Coitada... – ele pensou.

Acomomodou a bacia sob sua cabeça e lavou-lhe os cabelos louros. Secou-os e tentou penteá-los. Assustou-se quando uma mecha se desprendeu e veio agarrada ao pente. Tentou ser ainda mais gentil. Após 20 minutos, gostou do resultado. O cabelo estava liso novamente. Vicky quase parecia a mesma, exceto pelas marcas em seu corpo que ele sabia que ela as carregaria até o fim.

Fernando afastou a bacia e deixou-a reta sobre a cama novamente. Ela permanecia de olhos fechados. Ele ensaboou seus braços, seus seios e sua barriga. Passou mais sabão na esponja, espremeu-a e abriu suas pernas. Limpou as manchas vermelhas em suas coxas e passou a esponja em sua virilha, descendo a mão sem pressa. Virou-a de lado e limpou também as suas costas e nádegas, principalmente, entre elas. Vicky estava muito suja ali, naquela reentrância.

Ele pegou a toalha novamente e secou-a. Olhou para o vestido lilás, ou o que havia sobrado dele, e decidiu que ela não poderia vestir aquilo de novo. Deixou-a sozinha sobre a cama e saiu do quarto. Ao retornar, trazia em mãos uma camisa vermelha, uma calcinha branca bem pequena e uma fita amarela. A peça íntima coube perfeitamente, mas a camisa era comprida demais, parecendo um vestido. Fernando, então, passou a fita amarela em sua cintura e deu um laço na frente, girando-o até posicioná-lo em suas costas.

Admirou Vicky com orgulho, mas logo se entristeceu ao pensar que em breve ela estaria igual ou pior do que há uma hora atrás. Afofou os travesseiros da cama e sentou-a recostada neles. Vicky, finalmente, abriu os olhos.

Nesse momento, Fernando ouviu a porta abrir atrás dele. Virou-se e viu sua filha de quatro anos entrar correndo pela porta. – Ufa! – ele suspirou de alívio. – Ainda bem que ela só chegou agora. – A menina correu para a cama e puxou Vicky pelos cabelos de forma violenta.

- Obligada, papai! A Vicky tá linda de novo!


E enchendo a boneca de beijos, a menina saiu correndo arrastando-a pelo chão do quarto.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O roubo da fantasia 2

Depois de passar a madrugada do domingo de Carnaval tentando desvendar o roubo da fantasia da sra. Souto Vianna, o detetive Gonçalo estava certo de ter encontrado o culpado. Às 7h, o policial Motta retornou à delegacia trazendo consigo um café com leite num copo de plástico, na verdade, eram dois copos, um dentro do outro, pra reforçar. Tinha em mãos também um pequeno embrulho em papel grosseiro.

      Chefe, “taqui” o seu pingado, os ovos mexidos, a linguiça frita e a coxinha de galinha.

O detetive bebeu o café, mais morno do que quente, comeu os ovos junto com a linguiça e arrematou tudo com a coxinha. Depois de um sonoro arroto, se apressou em dizer:

      Motta, temos que ir! Já sabemos quem é o culpado, mas se o criminoso não confessar onde escondeu a fantasia, de nada terá valido o esforço!

Ao descerem do ônibus, na frente do condomínio onde morava a família Souto Vianna, ambos tiveram o primeiro choque. O Fusca 85 estava sem os quatro pneus!

      Chefe, pelaram o seu carro! Temos que chamar a polícia!
      E nós somos o quê?!

O policial Motta ficou uns segundos olhando para o detetive Gonçalo até soltar um sonoro “Ah, é!”

      Não temos tempo para isso agora e o Fusca não vai sair daí sem as rodas.

De qualquer forma, o detetive evitou olhar para o companheiro depenado. Sentiu mesmo um aperto no peito, mas que logo desceu para o estômago. No final, eram apenas gases. O pingado não tinha caído bem.

Ao chegarem na residência dos Souto Vianna, o detetive já foi pedindo à empregada que chamasse todos os membros da família.

     Não vai dar não. – a mulher respondeu balançando a cabeça negativamente. – O patrão foi pra fábrica logo cedo.
      E a senhora? – o detetive perguntou.
      Eu tô aqui, ué!
      Não a senhora!
      O senhor tá me confundindo! – a mulher protestou.
      Estou falando da sra. Souto Vianna!
      Ah, a patroa! Por que não disse logo? Vou chamar!

Três minutos e dois flatos depois, o detetive viu a empregada descendo as escadas acompanhada da sra. Souto Vianna.

  Nossa, acho que tem alguma coisa estragada na cozinha, melhor ir ver. – a mulher disse para a empregada. – Bom dia, detetive! Bom dia, policial!
     Bom dia, senhora! – ambos responderam.
     Já sabemos quem roubou sua fantasia – o detetive Gonçalo se apressou em dizer.
     Eu também. – a mulher disse com os olhos enfurecidos.
     Como? – surpreenderam-se o detetive e o policial.
    Ah, depois de acompanhá-los até os quartos e ouvir os depoimentos, ficou óbvio para mim! – ela disse naturalmente. – Não foi assim para os senhores?
    Na verdade, n... ui! – o policial Motta não conseguiu concluir a frase, pois seu pé direito estava sendo esmagado pelo chefe.
      Sim, claro! – o detetive Gonçalo respondeu. – Foi...
      Meu marido!
    Hã? – ambos perguntaram, certos de que havia sido a irmã perua do sr. Souto Vianna, com inveja da cunhada.
    Depois que o vi chamando azul de cerúleo e rosa de fúcsia, fiquei bastante surpresa. Quem conhece essas cores além dos carnavalescos? Mas nada foi mais óbvio do que o CD da Gloria Gaynor!
    É? – ambos perguntaram, sem entender o código escondido no CD da Gloria... Gloria o que mesmo?
   Assim que os senhores saíram, fui ao quarto do meu marido e revirei todo ele. Encontrei até calcinhas minhas! Fiz um escândalo e ameacei colocar tudo para a imprensa se minha fantasia não aparecesse imediatamente!
    Como? – ambos perguntaram, sem entender o que as calcinhas da sra. Souto Vianna estavam fazendo na história.
   Bem, meu marido foi à fábrica buscar a fantasia, pois foi lá que ele a escondeu. E ai dele se ela estiver danificada! Muito obrigada pela ajuda dos senhores, vocês foram excelentes!
    Ah! – ambos exclamaram, entendendo que estavam sendo encaminhados à porta.
   Mas que coisa! – a sra. Souto Vianna disse irritada. – Será que ela ainda não jogou no lixo a comida estragada?

Do lado de fora do condomínio, o detetive Gonçalo e o policial Motta acompanhavam o Fusca sendo colocado sobre o reboque. Em seguida, ambos se acomodaram nos bancos dianteiros do veículo rebocado.

     Chefe...
     O que é?
     É que tá difícil respirar.
     Foi o café que caiu mal! Põe a cabeça pra fora da janela que daqui a pouco passa!

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O roubo da fantasia


Era Sábado de Carnaval. O detetive Gonçalo estava a caminho de sua casa de praia em Mangaratiba quando o telefone tocou. Do outro lado da linha, o policial Motta o informou de um caso urgente, que só ele poderia resolver.

- Eu sou o melhor, não é mesmo? – o detetive considerou.
- Na verdade, o senhor foi o único que atendeu o telefone. Os outros todos estavam fora de área. – a verdade tinha que ser dita, afinal, o policial havia feito um juramento de só dizer a verdade, doesse a quem doesse.

Sem considerar a resposta e ciente de seu dever, o detetive Gonçalo deu meia volta com o seu Fusca 85 rebaixado e retornou à cidade.

Um pneu furado e duas horas de congestionamento depois, ele chegava à residência dos Souto Vianna, família tradicional da classe média alta carioca. O policial Motta o esperava do lado de fora do condomínio residencial, comendo um x-tudo com hambúrguer dobrado.

- E então? O que me diz?
- Muito bom chefe! E ainda vem com batata frita.
- Não tô perguntando do sanduíche, quero saber do caso!

Os dois entraram no condomínio a pé, porque o fusca engasgou e não saiu do lugar. Manifesto silencioso de quem achou que passaria alguns dias descansando à beira mar, porque Mangaratiba tem praia, e isso é fato!

A casa dos Souto Vianna era a última, da última rua do condomínio. Imponente, soberba e austera, à imagem de seu dono.

A empregada abriu a porta e os conduziu à sala de visitas. Ambiente sóbrio e muito bem decorado. Não tardou muito e a sra. Souto Vianna veio lhes falar.

- Boa tarde, detetive. Boa tarde, policial. Obrigada por terem vindo! Por favor, sentem-se.

Após os cumprimentos formais e as devidas apresentações, a sra. Souto Vianna explicou o ocorrido.

- Roubaram minha fantasia de Carnaval! Eu vou desfilar amanhã e não há como repô-la!

A dileta senhora explicou que o samba enredo da Rainha do Sobradinho era sobre a história do café e sendo sua família dona da empresa mais antiga a comercializar tal produto no país, ela havia sido convidada a desfilar no principal carro alegórico da escola. A princípio, seu marido tinha sido contrário a tal ideia, considerando incompatível com a imagem da família, no entanto, após ver o croqui da fantasia, ele reconsiderou e permitiu, mesmo contrariado, que a esposa participasse do evento.

O estilista mais renomado da atualidade e o carnavalesco da escola, haviam desenhado a fantasia especialmente para ela. O esplendor era todo em plumas de pavão oriental fúcsia cintilante, ave raríssima, só existente na ilha de Lon-Gí Ba-Gará-Iô.

Para a confecção foi necessário autorização especial da APPE - Associação Protetora dos Pavões Estranhos. Para contrastar, a fantasia também tinha plumas simples, pigmentadas artificialmente de cerúleo.

- Era minha responsabilidade zelar pela fantasia, detetive, e, agora, ela sumiu! – a mulher disse aos prantos – Não tive coragem de informar ao presidente da escola, ainda. Tenho a esperança de que o senhor solucionará este caso antes do desfile.
- Quando será? – o detetive Gonçalo perguntou olhando para o decote da jovem senhora, apenas para se certificar de que a fantasia não teria sido esquecida ali, debaixo de toda aquela fartura.
- Às 22h de amanhã. – a sra. Souto Vianna respondeu cobrindo, conscientemente, o colo com seu xale de seda marroquina.
- Muito bem! – ele consultou o pulso, sem relógio, apenas para disfarçar o cosntrangimento de ter sido flagrado. – Quanto tempo nós temos policial Motta?
- Hum... são 16h agora, chefe... isso dá... deixa eu ver... eh...
- 30 horas. – a mulher disse impaciente.
- Ok! Preciso da relação de todas as pessoas que tiveram acesso à casa desde que a fantasia chegou! – o detetive Gonçalo declarou, já puxando seu caderninho do bolso de trás da calça jeans.
- Sim, senhor. Somente os moradores da casa estiveram aqui.

   Com a relação em mãos, o detetive foi aos quartos de todos os suspeitos.

O IRMÃO NERD
No quarto do irmão da sra. Souto Vianna, o detetive encontrou: uma mochila com uma pluma dentro (- não sei o que esta pena magenta tá fazendo aí), um pó brilhante sobre o teclado do computador (- resquício de uma substância para lubrificar as teclas), um lençol manchado (- joguei uma toalha ciano, molhada, em cima da cama).

A IRMÃ PERUA
No quarto da irmã do sr. Souto Vianna, eles acharam: uma mala com uma pluma dentro (- peguei essa pluma da fantasia, sim, mas apenas porque adoro pink!), um pó brilhante sobre o balcão da pia (- deixei cair minha sombra com glitter), uma fronha manchada (- eu deitei com os cabelos molhados enrolados em uma touca azul celeste).

O MARIDO
No quarto do sr. Souto Vianna, o policial achou: uma bolsa de viagem com uma pluma dentro (- como vou saber o porquê dessa pluma fúcsia estar aqui?), um pó brilhante nas capas de CD da Filarmônica de Berlim e da Gloria Gaynor (- eu sujei as mãos com o metalizado das embalagens de café), uma toalha manchada (- usamos cerúleo no corante das embalagens, eu devo ter lavado mal as mãos).

A EMPREGADA
No quarto da empregada também havia pistas: uma sacola grande da Casa e Vídeo com uma pluma dentro (- ai, seu detetive, eu peguei esse troço rosa lá do chão do quarto, ia colocar no altar da minha santinha), um pó brilhante na capa do DVD do Naldo na Veia (- eu botei o DVD pra tocar quando fui ajeitar a fantasia no quarto da patroa, daí sujei as mãos com purpurina, mas não diz pra ela que eu assisti lá não, ela manda eu embora. Só vi lá porque tem telão de cinema), uma blusa manchada (- é o sabão em pó Limpex que eu uso pra lavar minhas roupas, ele mancha tudo de azul).

O detetive Gonçalo e o policial Motta seguiram para a delgacia, de ônibus, visto que o fusca deu seu último suspiro. Durante toda a madrugada eles analisaram as declarações e pela manhã, considerando todas as respostas, eles retornaram à residência dos Souto Vianna. Ainda não sabiam onde a fantasia estava, mas já sabiam quem a havia roubado!

domingo, 24 de junho de 2012

O encontro


- Oi, Vivi, bom dia!
- Bom dia, Francis.
- Já ouviu a última?
- Não. O quê é?
- Parece que o Renato, do Marketing, saiu de casa, se separou da mulher.
- Jura? Quer dizer, ah, que pena...
- Ah, sei, sei. A mulherada tá pirando, o cara é um gato!
- Mas é super sério também, não dá confiança.
- Não dava, né? Porque era casado, agora, não é mais.
- E você sabe o motivo da separação? A mulher não ia largar um gostosão desse à toa.
- Estão dizendo que ela gosta de “colar velcro”.
- “Colar velcro”? Como assim?
- Caramba, Vivi! Ela gosta de mulher!
- Nossa! Coitado, o Renato deve estar arrasado.
- Sim, e precisando de um ombro amigo, não?
- Francis, você está absolutamente certa! O problema é que a mulherada vai atacar geral.
- É verdade, Vivi. Vai ser uma disputa e tanto!

Depois da conversa com a amiga Francis, Vivi não conseguiu mais se concentrar no trabalho. Passou o dia distraída, a ter fantasias das mais diversas com o Renato, do Marketing. De casamento com filhos à pura luxúria, ela não parava de pensar nele um minuto sequer. E assim se repetiu por um longo tempo. Mas, à medida que os dias foram se passando, os pensamentos foram ficando menos intensos e Vivi foi deixando a história de lado, voltando a ser produtiva no trabalho. O problema é que havia atrasado demais suas tarefas, tinha muito serviço acumulado. Então, numa quinta-feira qualquer, decidiu que ficaria até mais tarde, para dar conta de tudo. Lá pelas 20h, resolveu ir à máquina de café. Precisava andar um pouco, esticar as pernas, alongar os tendões, estava exausta, mas ainda faltava uma tabela a preencher.

Vivi se dirigiu ao corredor onde ficava a máquina de café. A iluminação estava pela metade, as baias vazias pelo caminho, silêncio absoluto. – Que tranquilidade! – disse a si mesma. – Poderia ser assim todos os dias!

Aproximou-se da máquina, escolheu um café com leite sem açúcar e, enquanto aguardava a bebida ficar pronta, ouviu uma voz grave atrás de si.

- Boa noite, Vivi!

Imediatamente sentiu o sangue a subir-lhe às faces, queimando-as como ferro em brasa. Virou-se lentamente.

- Boa noite, Renato! O que faz aqui a esta hora?
- Bem, eu ia lhe perguntar o mesmo, mas já que você perguntou primeiro... é justo que eu responda. Amanhã, farei a apresentação de uma nova campanha, para um novo cliente, então, preciso ter certeza que tudo correrá bem, por isso, resolvi revisar todo o material antes de ir embora. Acho que daqui a uns trinta minutos eu termino.
- Ah, ok, isso é muito importante!
- Sim. Mas, e você? O que te levou à hora extra?
- Muitas e muitas planilhas com dados desatualizados. Andei meio “ausente” ultimamente e deixei acumular o serviço. Mas, agora, está tudo sob controle novamente. Quer dizer, estava, até você aparecer. – esta última frase Vivi disse entre dentes, quando se virou de costas para Renato para retirar seu café com leite da máquina.
- Perdão?
- Não foi nada. Quis dizer, que bebida vai querer?
- Ah, pode ser um café puro, com muito açúcar. Obrigado.

“Tão másculo”, ela pensou enquanto olhava estática para os botões da máquina, sem saber o que deveria fazer.

- Está tudo bem, Vivi?
- Hã? Sim, sim, está, claro. É que sempre tiro o açúcar das minhas bebidas e... enfim, deixa pra lá. – ela apertou o botão.
- Espero que não seja nada de mais.
- O quê?
- O motivo da sua “ausência”.
- Ah, isso? – e agora? dizer o quê? pensa rápido, pensa, pensa, pensa! – Na verdade, eu andei ajudando minha irmã com a filha. Minha sobrinha tem seis anos e andou meio doentinha e eu estava dando uma força a ela. – Meu Deus! Que história ridícula foi essa que você inventou? Por que o fim do mundo não começa agora? Primeiro eu, primeiro eu!
- Puxa, que legal da sua parte! Muito mesmo! Mas está tudo bem com ela agora?

Vivi se virou para retirar o café da máquina. “Você é ótima! Que ideia genial! Orgulho de você, garota!”, pensou com um enorme sorriso na alma.

- Sim, está tudo bem, sabe como é, criança se recupera super rápido. Ela ficou uns dias comigo e nos divertimos muito.
- Que máximo! Sabe, desde que me separei, meus filhos estão morando comigo, e eles são fabulosos, mas sinto falta de algumas coisas.
- Ah, você se separou? Eu não sabia, sinto muito, muito mesmo.
- Não? Pensei que todo mundo já soubesse. Acho que foi notícia por semanas.
- É mesmo? Bem, não costumo ouvir conversas de corredor sobre a vida dos outros, acho isso muito desconfortável.
- Sabe, Vivi? Estou surpreso. Trabalhamos juntos há tanto tempo e eu não sabia que você era uma pessoa tão especial. Ajudando a cuidar da sua sobrinha doente, se mantendo longe das fofocas. Você é muito íntegra!

“Certo, tá batendo uma pontinha de remorso, mas, são coisas que eu poderia fazer, então, eu poderia ser íntegra dessa forma. Foco, foco, foco, você quer sair com ele ou não quer?”

- Que é isso, Renato, assim você me deixa encabulada. Mas, me diga, de que coisas você sente falta?
- Ah, sinto falta de sair com alguém, mas é tão difícil, sozinho com duas crianças pequenas. A mãe aceitou um emprego em outro país e ficará fora por, pelo menos, dois anos. E eu não confio em ninguém...
- Entendo. Deve ser difícil mesmo.
- Se é! Veja, eu gostaria de jantar com alguém diferente no Sábado, mas não tenho companhia...
- Eu posso ser sua companhia! – Deus! Como você se oferece assim? Cadê a integridade?
- Jura? Você está falando sério? Não posso aceitar. É como se estivesse fazendo isso por caridade.
- Caridade? Não! Farei isso porque gosto de você, porque nos conhecemos há muito tempo e ficarei feliz com isso.
- Mas tenho duas crianças.
- Amo crianças! Lembra? Minha sobrinha?
- Então, é sério? Posso marcar um jantar para o Sábado?
- Seríssimo! Pode marcar, estarei lá!
- Nossa, uau! Hum, você pode chegar por volta das 20h?
- Claro!
- Ok, ok, amanhã eu te dou o endereço.

Renato abraçou Vivi feliz da vida. Vivi se deliciou com o cheiro do perfume que exalava da nuca dele. Ambos felizes, voltaram às suas baias para concluir o que ainda estava pendente. Desnecessário dizer que Vivi não conseguiu concluir a planilha, nem se concentrar durante todo o correr do dia seguinte. A sexta-feira passou lenta, Renato enviou-lhe o endereço e celular por e-mail, exaltando-a e agradecendo-a por se revelar tão boa amiga. Devido à apresentação ao novo cliente, ele não apareceu na empresa naquele dia. Ela estava tão excitada e deu graças a Deus quando Francis ligou dizendo estar muito gripada e com febre e que, por isso, não iria trabalhar. A amiga, com certeza, perceberia sua agitação e ela não queria contar a ninguém sobre esse encontro, pelo menos, por enquanto.

No Sábado, Vivi acordou cedo. Tinha uma agenda cheia até às 20h. Depilação, corte, pintura, escova, podólogo, pedicure, manicure, banho de lua, vestido novo, sapato novo, roupa íntima nova. O plano era ir bonita, mas sem exagero, afinal, iria jantar com Renato e as crianças, tinha que estar simples. Também comprou uns brinquedos para surpreender os fedelhos. Se tivesse sorte, eles cairiam no sono cedo e poderia rolar um clima entre ela e Renato.

“Sim! Nada estragaria aquela noite tão especial. Estava entrando na vida íntima do homem mais desejado da empresa. Ela, sem dar em cima dele, foi convidada pelo próprio para jantar em sua casa!”

Às 20h05 ela chegou ao apartamento de Renato.

- Oi! Você chegou! Entre!

Renato deu-lhe dois beijinhos nas bochechas e conduziu-a para dentro.

- Crianças venham aqui! Esta é a moça bonita de quem falei para vocês, a Vivi.
- Vivi, este é o Dudu, ele tem seis anos. E esta é a Nanda, ela tem quatro anos.
- Ah, que amores eles são.
- Olha, não tenho como te agradecer por isso, vou ficar te devendo essa!
- Devendo?
- Sim, eu não confiava em ninguém para tomar conta das crianças, então, eu nunca saía. Hoje, finalmente, terei meu primeiro encontro! Graças a você! Olha, fique à vontade, a cozinha é ali, sirva-se do que quiser. O quarto das crianças é naquela porta e você já tem meu celular. Ligue-me se precisar de qualquer coisa.

Renato se virou para trás e chamou.

- Francis, anda, a Vivi chegou, vamos perder a reserva no restaurante!

sábado, 2 de junho de 2012

O ladrão de tortas

Carlos chegou em casa batendo a porta. A mulher, que estava sentada no sofá assistindo a novela, assustou-se com o barulho, jogando para o alto a revista que tinha mãos.

- Que é isso homem? O que aconteceu? – esbravejou ela.

Ele olhou-a com os olhos vermelhos banhados pelo sangue da ira e resumiu:

- Tô puto!

A esposa, sem saber ainda o motivo da raiva, tratou logo de imaginar se seria ela a causa daquele rompante e com voz mansa perguntou cautelosamente.

- Mas, o que aconteceu para você estar assim?
- Há semanas alguém vem roubando minha sobremesa. Todo dia eu compro uma torta pela manhã e coloco na geladeira do trabalho. Acontece, que eu não consegui comer uma sequer, porque o larápio chega sorrateiramente e ataca sem ser visto ou deixar rastro.
- Ah, é isso? – a mulher comentou sem dar importância.

Carlos explodiu.

- E você acha que não é nada demais? O que dá o direito desse gatuno comer o que não é dele? Eu volto do almoço salivando pela torta e ela nunca está lá! Nunca! Entendeu? E se eu começasse a usar seus cremes de um milhão de dólares ou tomar suas pílulas de dieta? Como você se sentiria?
- Eu ia ficar puta da vida com você. – ela reconheceu.
- Pois, então, não sei mais o que fazer para pegar o safado!
- Bem, não adianta você ficar assim. Por que não deixa para comprar a torta depois do almoço?

Carlos fuzilou-a com o olhar.

- Por um acaso você se casou com um imbecil? Não acha que eu já não pensei nisso? Acontece que a loja das tortas é aqui perto de casa, ou seja, eu compro antes de ir para o trabalho.
- Ah... – ela preferiu não fazer mais nenhum comentário.
- Não acho justo eu deixar de comprar minha sobremesa porque um ladrãozinho de tortas, sem-vergonha, se apropria do que é dos outros na maior cara de pau!
- Você não tem ideia de quem possa ser?
- Não. Eu já pensei, pensei e nada. Somos doze ao todo no setor, incluindo o vice-presidente, o diretor financeiro e a assessora do presidente.
- Você acha que essas pessoas estão acima de qualquer suspeita?
- Na verdade, acho que nenhum dos doze têm o perfil de quem rouba torta alheia. Ao mesmo tempo, acho que pode ser qualquer um. – ele desabafou com um suspiro.

O resto da noite seguiu e o mau humor de Carlos não diminuiu. Jantaram em silêncio. Assistiram TV em silêncio. Foram para cama em silêncio. Por volta de uma hora da manhã, a esposa acordou repentinamente com uma ideia na cabeça. Virou-se para o lado e sacudiu Carlos.

- Amor, amor, acorda. Pensei em algo que pode ajudar.

O homem, ainda adormecido, tentou abrir os olhos em vão. A mulher, então, acendeu a luz do abajur e sacudiu-o mais uma vez.

- Acorda Carlos, eu tive uma ideia para você pegar o ladrão de tortas.

Apertando os olhos devido à claridade, Carlos esforçou-se por mais alguns segundos, até que, finalmente, conseguiu encarar a esposa.

- O quê? O que foi?
- Estive pensando num jeito de você ferrar com esse gatuno.
- De que forma? – ele perguntou ainda sonolento.
- Injete um laxante na torta. Se o safado começar a ter diarreia toda vez que comer sua sobremesa, ele vai acabar desistindo.

Carlos refletiu sobre a sugestão e com um sorriso amassado beijou a mulher na testa.

- Você é ótima! Excelente ideia!

Ambos voltaram a dormir, mas, antes de se entregar aos braços de Morfeu novamente, Carlos se deliciou com a dor de barriga que iria causar no salafrário. Algumas horas depois, o despertador tocou e Carlos se levantou. Dessa vez, foi ele quem sacudiu a esposa para acordá-la. Com alguns resmungos, ela o olhou como se apenas seu corpo estivesse ali, sem que a alma tivesse tido tempo de retornar do mundo astral.

- Hã?
- Onde está o laxante?
- Quê? – ela balbuciou de olhos fechados novamente.
- O laxante, querida, onde está?
- Ah, tá no armário do banheiro, é um vridrinho branco, procura lá.

Carlos foi ao banheiro e abriu a porta do armário sob a pia. Estava tão excitado com o plano, que mal podia esperar. Viu de cara uma seringa, e achou que seria muito útil na execução do plano, colocou-a no bolso da calça. Em seguida, pegou um vidrinho e colocou-o no outro bolso.

Uma hora depois, Carlos chegava ao trabalho feliz da vida. No carro, havia injetado o líquido na torta e, agora, caminhava-se para a copa do escritório, onde guardaria sua torta na geladeira.

Como de costume, ao retornar do almoço, o ladrão já havia atacado e sua torta já não estava mais lá, mas ele não se importou, apenas sorriu para si mesmo e pensou “É hoje que esse biltre se ferra!”

Chegou em casa feliz. A esposa assistia à novela. Ele jogou-se ao lado dela no sofá e relaxou.

- Você desistiu de executar o plano? – ela perguntou curiosa.
- Claro que não! A essa hora o maganão já deve estar sendo coroado em seu trono!
- Ué, como assim? Eu vi que o laxante ainda está lá no banheiro. – ela estranhou.
- Não, não está, eu levei o vidrinho comigo. – ele respondeu surpreso.

A mulher se levantou e saiu da sala. Menos de um minuto depois, retornou com um vidrinho branco nas mãos.

- Olhe, o laxante está aqui.

O homem olhou curioso.

- Mas, mas... eu peguei um vidrinho... ele era... ele era... transparente...
- Você pegou o vidrinho transparente? – ela deu um grito de horror.
- Sim, sim, acho que sim. Eu estava com sono ainda e empolgado com o plano. Confundi branco com transparente. O que tinha naquele vidrinho?

A esposa começou a chorar. Sentou-se ao lado do marido, segurou-lhe a mão e disse com sofrimento e desespero:

- Veneno!

A mulher explicou que havia comprado o veneno para um rato que há dias rondava pela casa, mas, como não tinham crianças, não se preocupou em escondê-lo. Ambos se abraçaram e passaram a noite em claro, chorando. A mulher sentia-se responsável. Ele, um imbecil que confunde branco com transparente.

Pela manhã, ele pensou em ligar para o trabalho e dizer que estava doente, mas desistiu. Mais cedo ou mais tarde teria que encarar o que fizera. Tudo por causa de uma torta! – Mas por que esse infeliz tinha que comer o que não era dele? – Não, não havia desculpa para o que fizera. Não se mata uma pessoa por causa de algumas fatias de torta. Carlos vestiu-se de qualquer jeito, despediu-se da mulher com um longo abraço e saiu para o trabalho. Naquela manhã, ele não passou na loja das tortas.

Mal havia colocado os pés no escritório, um colega veio correndo ao seu encontro.

- Já soube da última?
- Quem morreu? – Carlos perguntou sem pensar.
- Então, você já sabe? – o colega retrucou.
- S-s-sei o-o quê? – Carlos gaguejou.
- Que o vice-presidente morreu!

§§§

Carlos tentou abrir os olhos mas a luz ofuscou-lhe a visão. Escutou vozes que pareciam vir de longe, mas não foi capaz de compreendê-las.

- Vejam! Ele está acordando! Afastem-se, afastem-se! Ele precisa respirar.

Carlos sentiu um pano úmido sendo passado em sua testa e peito. Tentou, mais uma vez, abrir os olhos. Aos poucos, foi tomando consciência e percebeu que estava deitado no chão do escritório. Os colegas todos o olhavam com surpresa.

- O que aconteceu? – Carlos perguntou confuso.
- Você desmaiou de repente. – explicou uma colega.

Foi, então, que ele se lembrou do motivo. Seu peito apertou e uma angústia profunda invadiu-lhe a alma.

- O vice-presidente morreu? O “nosso” vice-presidente? – ele checou, afinal, quem sabe não teria entendido errado?
- Sim, o helicóptero no qual estava caiu hoje às seis da manhã, uma tragédia. Morreram as três pessoas a bordo: ele, o piloto e um jornalista. Mas não pense nisso agora, temos que saber o que você teve.

Subitamente, Carlos sentiu-se melhor. Então, não fora ele que matara o vice-presidente? Que alívio! Mas, logo em seguida, pensou que ainda tinha um problema. Alguém comera sua torta envenenada. Com ajuda dos colegas, ele se levantou e foi para sua sala. Não aceitou nenhum conselho para ir ao serviço médico e passou o resto do dia trancado no escritório.

O dia de trabalho chegou ao fim e ninguém mais havia passado mal. No dia seguinte, sexta-feira, não haveria expediente, pois seria o enterro dos restos mortais das vítimas do acidente. Por sugestão da mulher, Carlos continuou levanto a fatia de torta, para que ninguém desconfiasse de nada.

Mas isso foi há seis meses atrás e as tortas de Carlos nunca mais desapareceram...