quarta-feira, 31 de agosto de 2011

É duro perder a memória...

Clodoaldo, pai de Omar, tinha 17 anos quando começou a namorar Maria. Nessa época, a doce menina tinha 15 anos e Clodoaldo já era pescador experiente no barco do pai, seu Argemiro.

O pai de Maria, seu Poliano, também era pescador e as famílias eram muito amigas. Todos os dias, enquanto os homens estavam no mar, dona Regina e dona Matilde, as mães de Clodoaldo e Maria, respectivamente, passavam o dia fazendo rendas, ofício no qual Maria já demonstrava talento.

Ao completar 18 anos, Clodoaldo se casou com Maria e, juntos, começaram uma nova família. Não demorou muito para que a moça apresentasse os sintomas da primeira gravidez, dando à luz a um saudável menino. Sendo o casal muito jovem, as famílias tentaram interferir no nome da criança, mas Clodoaldo e Maria foram inflexíveis aos apelos dos pais e decidiram que eles mesmos escolheriam o nome. Uma semana depois de nascido o bebê, Clodoaldo registrou o moleque como Marialdo, a junção de seus nomes, já que ele era fruto do amor do casal.

Passado um tempo, Maria engravidou pela segunda vez e, antes que a criança nascesse, dona Regina veio a falecer, vítima de uma pneumonia não tratada. Entre a tristeza da morte da mãe e a alegria de uma nova vida sendo gerada no ventre de Maria, Clodoaldo decidiu que homenagearia dona Regina, dando parte de seu nome ao próximo filho. E, assim, nasceu Reginaldo, saudável como o irmão.

Os meninos já estavam na escola quando Maria sentiu, pela terceira vez, os seios inchados e doloridos, e percebeu que a regra já não vinha há dois meses. Dessa vez, a barriga ficara maior do que as anteriores, pré-anunciando que a prole iria dobrar. Aos sete meses de gravidez, a bolsa estourou e, com ajuda de dona Matilde, Maria colocou nesse mundão de Deus, um casal de gêmeos, Clotilde e Clodomiro, este último em homenagem ao pai Argemiro.

Quando Maria soube o nome que o marido havia dado aos filhos ficou chateada, pois, apesar dele ter homenageado dona Matilde também, o nome dele prevaleceu nas crianças, enquanto o dela foi esquecido totalmente.

Os anos se passaram e Maria nunca perdoou Clodoaldo pela desfeita, aliás, nem seu Poliano perdoou, afinal, ele foi o único que não teve o prazer de ter parte de seu nome na certidão de um neto. Mas o destino foi bondoso com o casal e, aos 40 anos, Maria engravidou pela quarta e última vez. Nasceu um menino.

Eis, agora, o grande sofrimento de Clodoaldo. Isso aconteceu há 42 anos atrás. Maria já faleceu e ele está com 84 anos, entre a vida e a morte. Deitado em seu leito, rodeado pelos filhos e netos, Clodoaldo segura a mão de seu caçula, o único que não seguiu o ofício de pescador. Estudou mais do que os irmãos e virou professor. Mudou-se para a Capital e há anos que não visitava a família. Ele olha Clodoaldo imaginando que seu ar de sofrimento é devido à dor, mas não é. Clodoaldo, por mais que se esforce, não lembra o nome do filho... e agora? Está prestes a dar o último suspiro, mas não dá. A única coisa que o mantém vivo é a determinação em lembrar o nome do rebento. - Ah, Maria, se você estivesse aqui, com certeza lembraria! – Clodoaldo vira o rosto e olha pela janela, e enquanto admira o seu último pôr-do-sol, ele sorri satisfeito. – É isso! – Volta os olhos para o filho já grisalho e o chama pelo nome para, em seguida, fechar os olhos de vez.

E você, leitor, saberia dizer qual é o nome do quinto filho de Maria e Clodoaldo?

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Nunca ouça atrás da porta!

Ernesto chegou cedo ao trabalho e foi logo à sala do chefe. Queria sondar uma possível promoção. Há oito anos ingressara no Setor de Marketing da empresa e algumas de suas idéias já tinham proporcionado o aumento das vendas de diversos produtos. A companhia vinha crescendo aos poucos e ele queria crescer junto. O pedido era justo!

Resolveu esperar no pequeno sofá do lado de fora. A bolsa de Rosa (Ah, Rosinha!), a secretária, estava pendurada na cadeira, mas nem sinal de sua dona (provavelmente, tinha ido à copa tomar um café). Ele olhou o relógio e achou que daria tempo de dar uma mijada antes. Levantou-se em direção à escada, pois só havia banheiro no andar de baixo (que saco!). Parou, de repente, lembrando que tinha um banheiro exclusivo na sala do chefe (se eu for rapidinho ninguém vai nem saber).

Ernesto deu uma batidinha na porta da sala, como não teve resposta, abriu-a bem devagar. Confirmou que ela estava vazia e foi direto ao banheiro. Ambiente espaçoso (se duvidar, é maior que minha sala, fala sério!) e bem decorado. Assim, ele se distraiu com o quadro na parede, as velas sobre a pia, a toalha de mão bordada com as iniciais do nome do chefe... e, antes que pudesse levantar a tampa do vaso, Ernesto ouviu a porta da sala se abrir. Reconheceu a voz do chefe e de Fernando, seu amigo engenheiro (por que ele estava ali tão cedo também?). Sentou sobre a tampa do vaso e procurou ficar calmo (droga! acabei nem mijando!).

- Pois é chefe, é como estou te dizendo, relutei muito em te contar isso, mas não dava mais para omitir algo tão sério.
- Você tem certeza do que está me dizendo?
- O senhor não sabe como me dói admitir a verdade, eu o acompanhei desde o início, mas a última explosão dele foi decisiva para que eu viesse lhe procurar.
- Nesse caso...

Mas, antes que o chefe pudesse concluir sua frase, um celular tocou. Ernesto não ouvia mais a voz de Fernando e não conseguia compreender direito o que o chefe conversava ao telefone, então, tentou imaginar sobre quem estariam falando. A empresa era relativamente pequena e ele começou a passar em mente todos os empregados, principalmente, algum mais marrento, que tivesse explodido recentemente (quem seria o mané “estouradinho”?). Ernesto percebeu que a conversa ao telefone cessara e resolveu ficar mais próximo da porta para ver se descobria quem era o tal fulano. Ao se levantar, no entanto, sentiu a primeira fisgada na bexiga (caraca, tô ficando apertado).

- Fernando, eu quero saber em que condições ele explodiu. Não pode ter sido assim, à toa.
- Na verdade, eu ainda não consegui encontrar o motivo, mas eu estava com ele na copa, não havia nenhum tipo de pressão a mais e ele de repente, boom, foi em cima da Rosa!
- Da Rosa? Coitada! Mas o que você estava fazendo com ele lá?
- Ah, chefe, era hora do almoço e a gente costuma trazer qualquer coisa para comer aqui mesmo.
- Procure a Rosa, por favor, peça que ela venha aqui. Quero saber qual foi a percepção dela.

Ernesto estava começando a ficar roxo. Primeiro, porque a vontade de urinar estava se tornando muito incômoda e, segundo, porque tinha certeza que o f-d-p do “amigo” Fernando estava falando dele (covarde! isso é o que ele é! como pode me trair pelas costas assim!?). Ele lembrou que na semana anterior havia acontecido um incidente na copa durante o almoço. Algum colega, de sacanagem, roubara o filé de salmão de sua quentinha e ele soltou os cachorros em quem estava lá. A Rosa ainda tentou contornar a situação, dividindo metade de seu filé de frango mas ele ficou mais puto ainda (onde já se viu, comparar um salmão grelhado com um frango desbotado?). Ernesto ouviu as vozes de Fernando e Rosa.

- Vai Rosa, conta para o chefe como foi horrível aquele dia.
- Ai, chefe, é verdade, ele veio em cima de mim e quase que eu me ferro. Juro que eu fiquei muito assustada.

(aquela vaca! só porque eu falei mal daquela carne anêmica na quentinha dela... como mulher é vingativa!)

Ernesto já estava com a mão grudada nas partes baixas, a vontade de urinar já não o deixava pensar direito. Ele ouviu a voz do chefe.

- Então, já que é assim como vocês estão dizendo, vamos ter que nos desfazer dele... que chato!
(desfazer de mim? vão me despedir? como assim? e quem roubou meu salmão?)
- Ehhh, tem mais uma coisa chefe. O Fernando não sabe e eu fico sem graça de contar porque eu sei que não deveria ter feito.
- Diga, Rosa, o que foi?
- Eu fui com ele para casa um dia...
(hãã? ela não vai contar isso!!! isso não!)
- Para sua casa?
- É...
- Mas por quê?
(cala a boca, cala a boca! ai meu Deus, eu vou me mijar todo já, já)
- Bem, isso foi antes desse outro dia que o Fernando contou. É que eu estava curiosa, queria experimentar...
(eu não acredito, ela vai contar que eu brochei em nosso único encontro? o que isso tem a ver? eu estava nervoso sua cretina!)
- E o que aconteceu?
- Ele meio que não deu conta...
(vaca, vaca, ai tá começando a escorrer)
- E...?

Nessa hora, Ernesto não aguentou. Sentindo que ia se mijar de tão apertado que estava, resolveu aloprar. Já ia ser demitido mesmo, então, que se danassem todos! O chefe bundão que fica dando ouvido a fofocas; o amigo urso que, provavelmente, está de olho na promoção e quer tirá-lo do caminho; a doce e falsa Rosa, que decidiu ridicularizá-lo publicamente! Abrindo a porta de supetão, Ernesto colocou o falo (com tesão de mijo) para fora da calça e começou a urinar ali mesmo, no meio da sala, diante dos olhares atônitos das três pessoas que sequer imaginavam sua presença ali e que estavam, nitidamente, com dificuldade para compreender o que ele estava fazendo.

- E agora, o que vocês dizem sobre isso? Estão surpresos? Acham que além de explosivo eu sou louco também?
- Ernesto! O que significa isto? – perguntou Fernando com cara de abobado, já que o chefe parecia nem respirar e Rosa faltava pouco para desmaiar.
- Eu é que pergunto, que conversa é esta pelas minhas costas?
- Cara, não estou entendendo, eu não sabia que você queria estar junto na hora de contarmos ao chefe que o protótipo do recipiente plástico para acondicionamento de líquidos em alta temperatura não está passando nos testes, que temos relatos de explosão, amolecimento do material...
- Protótipo... recipiente plástico? – Ernesto perguntou confuso segurando o falo já adormecido pela bexiga aliviada.
- É Ernesto, protótipo! Este que está em cima da mesa! Você tá maluco? Coloca esta coisa para dentro das calças! – Fernando ordenou nervoso.
- Você estava falando do protótipo também Rosa? – Ernesto se virou de rosto, corpo e membro na mão para a secretária.
- E eu ia falar de quê? Eu peguei um do mostruário para ver se suportava óleo fervendo, mas ele começou a amolecer! – Rosa falou aos gritos, tampando os olhos com falsa vergonha.

Nessa hora, o chefe, que até então permanecera calado, afastou Fernando e Rosa da sua frente e, com olhar de fúria, indagou Ernesto:

- Eu espero que o senhor tenha uma e-x-c-e-l-e-n-t-e explicação para estar esse tempo todo escondido no meu banheiro, ter mijado no meio da minha sala e ainda estar com o pau para fora das calças!

Foi então que Ernesto percebeu o tamanho da M... que tinha feito. Calmamente guardou o “fulaninho” e abotoou as calças. Respirou fundo e, olhando nos olhos do chefe, respondeu:

- Esta encenação foi apenas uma sugestão para a nova campanha da nossa marca. Pensei em um cara meio maluco saindo nu de dentro de uma caixa de presente gigante no meio de uma festa, gritando “Surpresa!”. Aí, nessa hora, a cena congela e ouve-se em off ...

Você quer muito fazer uma surpresa, mas tem medo de exagerar? Dê produtos Jelix, o jeito certo para surpreender e agradar!

- E, então? Aquela vaga de Supervisor já tem dono?

domingo, 7 de agosto de 2011

Sexta-feira!

Gilda atravessou a passarela a passos rápidos. Para variar, estava atrasada. Desceu as escadas com dificuldade, pois o vestidinho preto comprimia suas coxas e o salto alto tirava-lhe o equilíbrio. Para completar o visual, uma meia-calça preta e os cabelos bem produzidos. Ia sair para dançar com a turma do trabalho após o expediente. Olhou o relógio que marcava 7h.

- Impossível chegar antes das sete e meia. Vou perder o café da manhã!

Alguns metros adiante, passou em frente a uma lanchonete. O cheiro era irresistível.

- Já perdi o café mesmo...

Gilda entrou na loja e examinou o balcão de salgados. O atendente estava colocando uma bandeja de bolinhos de carne quentinhos. Ela não resistiu. Sabia que não deveria comer fritura, mas a aparência estava ótima.

- Moço, me vê um bolinho deste?
- Pra levar ou pra comer agora?
- Pra levar.

O rapaz se virou e puxou um pedaço de papel cor de rosa do rolo atrás dele. Embrulhou o bolinho e o entregou à Gilda.

- R$2,00, paga no caixa por favor.

Gilda pegou o bolinho já com crise na consciência. O papel, mal tocara no salgado, ficara cheio de rodelas de gordura.

- Caraca, quanto óleo! Mas uma vezinha só não faz mal...

Ela pagou os R$2,00, colocou o bolinho dentro da pasta (na bolsa não, pois iria deixá-la com cheiro de fritura) e foi caminhando em direção ao ponto de ônibus. De longe, já pode ver o Madureira x Curicica parado. Olhou o relógio novamente: 7h10. Resolveu correr, mas, nem bem dera meia dúzia de passos, o ônibus começou a andar lentamente. Gilda parou, mas o sinal fechara a uns quinze metros dela e o motorista foi obrigado a parar também. Percebendo a chance, Gilda esqueceu o vestidinho justo e o salto alto e decidiu correr de verdade. Um pé a frente do outro, bolsa no ombro e pasta (com o bolinho de carne gorduroso) debaixo do braço. Mas, quem é capaz de perceber quando atravessa a fronteira que conduz à tragédia, ao caos? Bastaram dois segundos e uma pisada em falso para que Gilda se desequilibrasse. Não fosse o fato de estar no embalo da corrida, e ter tropeçado em um desnível do asfalto, ela teria caído ali mesmo.

O fato é que Gilda não caiu. Não, de forma alguma. O tropeço fez Gilda, simplesmente, decolar. Ela foi arremessada a cinco metros de distância de onde estava, em direção ao ônibus. Enquanto passava pelas pessoas, literalmente, voando e gritando, seus braços sacudiam-se, igual boneco de ar de posto de gasolina, procurarado apoio. A bolsa foi para um lado, a pasta foi para outro e tudo foi ao chão ao mesmo tempo. Gilda só parou quando sua cabeça encontrou o pneu do ônibus. O braço direito, ainda no ar, chocou-se violentamente contra o metal do veículo.

Tudo à sua volta congelou, ninguém se mexia, exceto o bolinho, que saiu rolando da pasta como se estivesse desfilando em uma passarela, embrulhado em seu papel cor de rosa e suas rodelas de óleo, que agora já eram manchas gigantes. Além de seus cigarros, que fugiram do maço (que também estava na pasta), indo um para cada lado, lembrando uma fuga coletiva.

A pancada na cabeça fizera Gilda cegar por dois ou três segundos, mas, naquele momento, ela desejou que tivesse sido por dois ou três séculos! Quando tentou se apoiar com a mão direita, não conseguiu. A batida na lateral do ônibus deixara o punho sem reflexo. As pessoas começaram a rodeá-la. Todos os passageiros colocaram suas cabeças para o lado de fora das janelas tentando entender de onde teria vindo o barulho da pancada. O sinal abriu, mas o ônibus permaneceu no lugar. Ajudaram Gilda a se levantar, sem entender que ela estava esperando que um buraco se abrisse para que ela fosse enterrada viva ali mesmo. O vestido subira, a meia-calça preta rasgara nos joelhos, que sangravam. Uma moça lhe entregou a bolsa, enquanto um rapaz corria atrás de seus cigarros espalhados no asfalto enfiando-os à força no maço vazio. Um menino fechou sua pasta e lhe deu. Mancando, Gilda deu o primeiro passo. Um homem se aproximou e perguntou de mão estendida:

- Isto é seu?

Gilda olhou o papel cor de rosa, a essa altura totalmente ensopado de óleo e pensou em desdenhar daquilo, mas lembrou-se que ficaria sem comer até o meio-dia. Então, respirando fundo, deu meio sorriso e pegou seu bolinho.

- Obrigada.

Em seguida, da mesma forma que Moisés separou o Mar Vermelho, Gilda foi abrindo passagem entre as pessoas que já se amontoavam querendo saber se alguém havia morrido ali no meio da multidão (e ela chegou a pensar que teria sido uma boa coisa). Subiu os degraus do ônibus, afastando os demais passageiros que tulmutuavam a porta. Encostou na roleta e o trocador perguntou:

- Machucou?

Ao que Gilda respondeu:

- Só o orgulho moço, só o orgulho...

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O primeiro encontro a gente nunca esquece...

Zuleide sempre foi uma mulher de personalidade forte. Mas, apesar disso e da beleza radiante, era uma pessoa tímida para encontros. No trabalho se destacava pelo poder de liderança. Na vida pessoal estava sempre rodeada de amigos que a admiravam muito, no entanto, quando o assunto era ‘relacionamento’, Zuleide amarelava. Ficava sem graça, desconversava, fazia que não entendia o flerte.
Acontece que o tempo foi passando, os amigos de Zuleide foram namorando, casando ou ‘se enrolando’ e ela sempre sozinha. Um dia, uma amiga deu-lhe um ultimato:

– Menina (e Zuleide já não era tão menina assim, mas amiga que é amiga serve para dar essa enganada na gente, certo?), você precisa parar com essa fobia de homem!
– E quem disse que eu tenho isso? – ela repondeu ofendida.
– Ah, pra cima de mim, Zu? Tá na cara que você vive fugindo de tudo que é encontro.
– Não é bem assim...
– Claro que é! Ou você vai no encontro que eu te arrumei ou eu paro de sair contigo. Onde já se viu? Uma mulher tão bonita e inteligente que não sabe se relacionar com o sexo oposto!
– Mas é que eu nunca sei o que dizer. Fico insegura, acho que vou cometer alguma gafe horrível, vou pagar mico, sei lá.
– Nada disso, Zu. Você é uma mulher incrível e sua conversa é ótima! Basta ser você mesma. Além disso, o Maurinho é um cara super legal, além de bonito e sensível, coisa rara. O encontro é na Sexta e ele vai te buscar na saída do trabalho, não tem conversa.

Diante da decisão da amiga, Zuleide não teve como fugir. Na Quinta antes do tal encontro, saiu mais cedo do trabalho e encarou o ritual padrão. Depilou o que tinha que ser depilado (apostou na clássica pista de pouso francesa, para ficar no meio termo), foi à manicure, fez escova, sobrancelha e, para finalizar, se submeteu a um banho de lua.

Na Sexta, parecia que todo mundo já sabia que Zuleide ia sair com alguém. Alguns comentários vagos, piscadelas de olho e, claro, o famoso ‘mala’ que não perde a oportunidade para ser inconveniente: – Aí, gostei de ver, hoje tem em Zuzu!

Finalmente, o dia acabou e o telefone tocou, era da Portaria. O sr. Mauro a aguardava. Zuleide olhou para o relógio que marcava 19h e computou um ponto positivo para o rapaz. Era pontual. Ela pegou um espelhinho na bolsa e deu uma última olhada em si mesma, retocou o batom e desceu. “Seja o que Deus quiser!”

O porteiro indicou à Zuleide quem era o rapaz que a esperava. Os dois se cumprimentaram, ele a levou ao carro e seguiram para o restaurante. Mauro era exatamente como a amiga dissera: legal, bonito e sensível. Desde o primeiro instante fez Zuleide se sentir super à vontade. Contou piadas para relaxar, mas não errou na dose. Colocou músicas conhecidas para que ela se distraísse e não deixou o papo cair. Quando estacionou, fez questão que ela esperasse no carro para que pudesse abrir a porta e ajudá-la a sair. No salão do restaurante, puxou a cadeira para ela sentar e orientou-a na escolha do prato, pois era a primeira vez que Zuleide ia àquele restaurante e Mauro já conhecia o menu.

As horas foram passando e alguns espumantes depois, Zuleide já estava totalmente relaxada. A conversa fluía naturalmente e ela estava super feliz de ter aceitado o encontro. Sentia que aquele era apenas o primeiro de uma série. Mas em dado momento, a ingestão de líquidos se fez valer e Zuleide pediu licença para ir ao toilette.

Ocorre que determinadas situações só acontecem no Rio de Janeiro. Apesar do restaurante ter uma cozinha maravilhosa e uma boa aparência, o banheiro era um lixo. Para começar, só havia um! Teve que esperar, pacientemente, que as cinco mulheres a sua frente entrassem uma de cada vez. E todas sairam indignadas, reclamando da imundície lá dentro. Mas ouvir não é a mesma coisa que ver, e Zuleide teve vontade de vomitar com a situação grotesca. O local era um cubículo e ela teve o máximo cuidado para que a saia longa não tocasse em nada. O vaso estava todo manchado de vermelho e havia mijo para todo o lado, um desastre!

– Por que essas mulheres são tão porcas? Que nojo!

Zuleide pensou em desistir, mas não queria estragar a noite tão agradável pedindo para ir embora, pois não aguentaria ficar mais vinte minutos com a bexiga cheia. O jeito era encarar, tomando os devidos cuidados, claro. Primeiro, ela cuidou da saia. Puxou-a toda para a frente, fez um enrolado com o tecido e o prendeu no elástico da cintura. Em seguida, quase sem respirar e se movendo lentamente, tirou a calcinha (pois iria mijar em pé) e, com muita criatividade, pendurou-a de forma que não tocasse em nada. Abriu e arqueou as pernas o suficiente para não tocar nem no vaso, nem nas paredes laterais, e deixou o xixi sair, rezando para que não corresse pelas coxas. Após alguns minutos de tensão (ela esta muuuito apertada), Zuleide concluiu a tarefa. Aliviada, soltou a saia e se ajeitou como deu ali naquele cubículo. Para fugir do tumulto na porta do banheiro (a fila já estava com umas dez mulheres desesperadas), usou o gel ao lado da porta do banheiro masculino para higienizar as mãos e voltou para a mesa.

Atravessou o salão quase correndo, preocupada em ter deixado Maurinho tanto tempo sozinho. Avistou o rapaz que a olhava com surpresa e ao sentar já foi se explicando:

– Desculpe-me por ter demorado tanto, mas você não imagina a confusão que está no banheiro feminino.
– Tudo bem, é que...
– Eu sei, eu sei, você já devia estar preocupado, não?
– Sim, mas...
– Ah, pensou que eu fosse fugir, hein? – Zuleide riu, cheia de confiança, já se sentindo íntima do rapaz.
– Não é isso...

O garçom encostou e olhou sorrindo para Zuleide.

– Você pode me trazer o menu da sobremesa? - ela pediu.
Maurinho segurou as mãos de Zuleide firmemente:
– Zu, olha pra mim!
Estranhando a reação do moço, ela perguntou desconfiada:
– O que foi Mauro, você não quer que eu peça sobremesa?
– Não é nada disso...
– O que foi, então?

E Maurinho resolveu dizer logo, antes que ela o interrompesse mais uma vez:

– Zuleide, eu não sei o que aconteceu lá dentro, mas você está com uma calcinha vermelha em volta da cabeça!