terça-feira, 15 de novembro de 2011

O caso da pulseira roubada – Parte 2

Depois de interrogar os quatro empregados de confiança da senhora Lamarck, o detetive Gonçalo deixou a biblioteca acompanhado pelo policial Motta e dirigiu-se à sala de estar, onde era aguardado ansiosamente pela dona da casa.

A senhora Lamarck andava de um lado para o outro, certamente, não acreditando que fosse possível prender o gatuno que furtara sua preciosa pulseira de rubis. Ao perceber a aproximação dos representantes da lei, ela correu em direção a eles.

- E então detetive? Descobriu quem roubou minha pulseira? Não posso crer que um de meus empregados fez disso!
- Mas creia senhora Lamarck, creia! – o detetive disse enfático. – Peço que os reúna aqui imediatamente!

Atendendo ao pedido do detetive Gonçalo, a senhora Lamarck foi com o policial Motta convocar os quatro empregados de confiança da casa.

Em poucos minutos, todos estavam reunidos no ambiente, acomodados no luxuoso sofá e nas aconchegantes poltronas e cadeiras que compunham a decoração da sala.

O detetive permanecia em pé. Olhou um a um dos presentes, abaixou a cabeça, coçou o queixo e, de repente, apontou para o mordomo.

- Senhor Thompson, por que roubou a pulseira?

Todos se entreolharam chocados e aliviados de terem sido inocentados com aquela acusação. O mordomo, no entanto, reagiu com aspereza.

- Detetive! Como pode me acusar assim? Isto é uma calúnia! Baseado em quê, o senhor me acusa?

Mas antes que o detetive Gonçalo pudesse responder, houve um rompante de vozes.

- Eu sabia! Sempre é o mordomo!
- Prende ele, prende!
- Ladrão!
- Falso!
- Vai ver foi ele quem roubou minha caneta do Mickey!
- A caneta do Mickey era sua?
- Era, por quê?
- Ih, fui eu que deixei cair no chão e o cachorro estraçalhou ela todinha.
- Oh! Mas o sanduíche de presunto que eu coloquei em cima da mesa, com certeza, foi ele quem comeu!
- Foi não, foi o cachorro também...
- E o chocolate que...?
- Cachorro...

Por alguns minutos o detetive não interferiu, preferindo observar o quão volúvel é a natureza humana. Bastou apenas uma acusação, sem provas, e todos se voltaram contra o colega. De repente, o mordomo se tornou o culpado de todos os pequenos desaparecimentos inexplicáveis. E todos estavam convictos de que ele era o criminoso.

- Calem-se! Já chega! – bradou o detetive. – O mordomo não é o culpado!

Ao ouvirem a declaração do detetive, todos silenciaram. A senhora Lamarck olhou atônita, sem entender.

- Mas, então, detetive, se não foi ele, quem foi?
- Senhora Lamarck, todos os seus empregados mentiram no depoimento.
- Oh... – foi a resposta geral, inclusive do policial Motta.
- Explique-se melhor. – pediu a dama.

E dirigindo-se ao assessor, o detetive perguntou:

- Senhor Lopes, o senhor disse que chegou às 12h30 com a governanta e que foi acompanhado até à cozinha pelo mordomo, não foi?
- Sim...
- Mentira! – gritou a governanta. – Ele chegou às 12h, comigo, e foi sozinho para a cozinha!
- Ele está parcialmente mentindo. – disse calmamente o detetive.
- Como assim? – foi a pergunta geral, inclusive do assessor.
- Ele “pensa” ter chegado às 12h30. – o detetive sorriu. – Reparei que o senhor Lopes tem o cacoete de polir o visor de seu relógio lambendo-o e, ao fazer isso, ele alterou a hora, adiantando-a em 30 minutos. Podem checar.

Mais uma vez, o burburinho se estabeleceu. Alguns segundos depois, todos confirmaram ser verdadeira a afirmação do detetive Gonçalo.

- No entanto, ele mentiu sobre ter sido acompanhado pelo mordomo até a cozinha. Aliás, ninguém foi acompanhado pelo mordomo quando chegou, mas disseram isso por ser a rotina da casa e não quiseram se colocar em evidência.
- Oh... foi a resposta geral, inclusive da senhora Lamarck.

O detetive continuou:

- Senhora Müller, por que disse que o mordomo já estava guardando as compras quando foi ajudá-lo na despensa, se elas ainda estavam do lado de fora?
- Eu, e-eu... – a governanta gaguejou.
- Eu digo o porquê! A senhora viu o mordomo digitando a senha da porta e, nesse momento, percebeu que era a mesma senha do cartão de compras! Ficou com medo dessa informação e preferiu dizer que ele já estava lá dentro, não foi?
- F-foi, mas...
- Percebi que o senhor Thompson é destro quando ele teve que tatear o bolso para retirar os óculos, demonstrando a dificuldade em usar a mão esquerda. Esse também foi o motivo dele não ter recebido nenhum de vocês, pois não conseguiria manusear a chave da porta, uma vez que está com a mão direita imobilizada.
- Então, foi a senhora Müller quem me roubou! – bradou a senhora Lamarck!

E, de novo, a troca de acusações entre os empregados – Como eles não perceberam que a senhora Müller era a ladra! Aquela velha frígida, amargurada, sempre desejando o que é dos outros. Merecia a cadeira elétrica! – E o detetive Gonçalo apenas sorriu, magnetizado pelas reações tão animalescas e tão humanas.

- Silêncio! Por favor, calem-se!

Todos obedeceram. A senhora Lamarck estava confusa. Será que o detetive, realmente, sabia quem era o ladrão?
O detetive Gonçalo suspirou profundamente. Era chegado o momento.

- Senhor Lopes, o senhor disse ter descido às 18h acompanhado pela senhorita Marques, correto?
- Correto.
- Mas, agora, sabemos que o seu relógio está adiantado 30 minutos, certo?
- Certo.
- Então, o senhor desceu, na verdade, às 17h30.
- Ah... é mesmo.
- Senhorita Marques, a senhorita omitiu que ficou 20 minutos fora da biblioteca quando retornou do almoço.
- Eu não achei relevante porque...

Mas o detetive não a deixou continuar e disse em um único fôlego:

- Sim! Porque nada aconteceu nesses 20 minutos, exceto o fato de, nesse tempo, o senhor Lopes estar se acomodando em sua mesa, ligando seu computador, acessando o e-mail da senhora Lamarck e, sem perceber, ele digitou a senha no exato momento em que a senhorita passava por sua mesa (que fica do lado oposto, lembra?) e percebeu ser a mesma do cartão do banco. Um tremendo golpe de sorte!
- Mas, m-mas...
- Às 17h30 o senhor Lopes a chamou para ir embora, pensando já ser 18h. A senhorita aproveitou a oportunidade, desceu com ele, mas não foi embora com ele! Permaneceu na casa, foi ao quarto reservado, testou a senha, que funcionou! Abriu o cofre e pegou a pulseira!

Nova confusão. Agora, todos acusavam a secretária, que chorava copiosamente, enquanto suas lágrimas começavam a preencher o vão entre os seios, unidos pelo sutiã meia-taça usado sob o generoso decote.

A senhorita Marques saiu algemada, acompanhada pelo policial Motta, sob os olhares dos colegas que, a essa altura, já conversavam entre si declarando que nunca haviam confiado naquela mulherzinha de tão baixo nível!

E, assim, o detetive Gonçalo desvendou o caso da pulseira roubada, aproveitando a oportunidade de observar algo que sempre o encantava: o comportamento humano.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O caso da pulseira roubada – Parte 1

O detetive Gonçalo chegou à mansão da senhora Lamarck acompanhado do policial Motta. Encontrou a distinta dama desolada e chorosa pelo roubo de valiosa pulseira de rubis, retirada de seu cofre localizado em um dos cômodos reservados da casa.

- Bom dia, senhora Lamarck. Sou o detetive Gonçalo e este é o policial Motta. Estamos aqui para atender a uma denúncia de roubo.
- Ah, cavalheiros, graças a Deus os senhores chegaram! Não quero perder um minuto sequer. A demora pode significar jamais recuperar um bem tão valioso para mim. Não apenas pelo valor financeiro, que não é pouco, mas pelo valor afetivo também. Trata-se de uma jóia que está em minha família há mais de um século! – e apontou para um suntuoso sofá. – Por favor, sentem-se.

Os dois representantes da lei sentaram-se não muito à vontade, pois ambos tiveram a sensação de que o tecido áspero e ordinário de suas roupas poderia danificar a seda cara e macia do mobiliário.

- Mas, então, senhora Lamarck, quando deu por falta da pulseira? – o detetive Gonçalo perguntou, enquanto tentava não escorregar do sofá.
- Faz cinco horas que percebi que havia sido roubada. – a dama respondeu lamuriosa. – Eu raramente a uso, pois é muito chamativa e eu sou uma pessoa discreta. Não gosto de chamar a atenção nos ambientes que frequento. No entanto, há dois dias eu a usei para ir a um jantar beneficente, pois a princesa de Muxibaba estaria presente e sei que ela é uma apreciadora de jóias. Queria que ela admirasse minha pulseira.
- Entendo... – comentou o detetive. – E ela estava bem?
- Quem? A princesa? – a senhora Lamarck estranhou a pergunta.
- Não, a pulseira. – explicou o detetive.
- Ah, sim, estava. Mas ela me decepcionou.
- Quem? A pulseira? – o detetive estranhou o comentário.
- Não, a princesa. – explicou a senhora Lamarck.
- Ah... entendo... De que forma?
- Ela ficou deslumbrada com a pulseira e pediu para vê-la em suas mãos.
- E a senhora deixou? – perguntou o detetive.
- Sim, deixei, e me arrependo por isso.
- Por quê? – o detetive Gonçalo perguntou surpreso.
- Porque ela caiu no chão.
- Quem? A princesa? – perguntou o policial Motta.
- Nããão!!!! A pulseira!!! – responderam o detetive Gonçalo e a senhora Lamarck juntos.
- E o que aconteceu? – o detetive quis saber.
- Um dos rubis ficou levemente arranhado.
- Entendo... e depois?
- Bem, quando cheguei em casa, guardei-a no cofre. Então, hoje pela manhã, resolvi pegá-la para avaliar o dano e levá-la ao joalheiro. Talvez fosse possível polir a pedra arranhada.
- E foi aí que deu por falta dela?
- Sim. Quando abri o cofre, ela não estava lá. – a senhora Lamarck ficou com os olhos marejados.
- Muito bem. Não se preocupe, iremos descobrir quem a roubou. – o detetive Gonçalo disse com total segurança. – O cofre foi arrombado?
- Não.
- A senhora recebeu alguma visita depois que guardou a pulseira no cofre?
- Não.
- Alguém mais da casa sabe a senha dele?
- Não. – ela fez uma pausa. – Quer dizer... mais ou menos.
- Como assim, mais ou menos?
- É que a senha do cofre é a mesma do meu e-mail, do meu cartão do banco, do cartão de compras e do acesso à despensa.
- Uau! A senhora não deveria fazer isso! – o detetive recriminou-a com delicadeza.
- Eu sei, mas é tão difícil decorar senhas diferentes. – ela respondeu constrangida.
- E alguém tem conhecimento disso?
- Não. Mas eu tenho quatro empregados de confiança. Cada um tem acesso a uma senha, mas eles não sabem que é a mesma.
- Explique melhor. – o detetive pediu.
- É assim, minha secretária sabe a senha do cartão do banco. Minha governanta sabe a senha do cartão de compras. Meu mordomo sabe a senha da despensa. E o meu assessor sabe a senha do meu e-mail.
- E eles nunca desconfiaram que era a mesma senha?
- Nunca. Tenho certeza absoluta disso.
- Nesse caso, terei que conversar com cada um deles. – e virando-se para o policial Motta. – Vamos amigo, vamos desvendar este furto!

Minutos depois, o detetive Gonçalo e o policial Motta estavam acomodados na biblioteca da mansão, quando a secretária da senhora Lamarck entrou no recinto.

- Senhorita Marques, por favor, sente-se.
- Obrigada.
- Sabe porque está aqui e quem somos nós?
- Sei. – ela ajeitou o decote tentando cobrir o que não era passível de ser coberto.
- Diga-nos o que fez ontem.
- Certo. Eu cheguei à mansão por volta das 8h30 e vim direto para a biblioteca, pois o computador onde organizo as finanças da senhora Lamarck fica aqui.
- E ficou até que horas?
- Trabalhei direto até às 12h30. Depois desci para a cozinha, para almoçar com os outro empregados.
- E depois?
- Voltei para a biblioteca e só saí às 18h para ir embora.
- Circulou sozinha pela casa?
- Não. O mordomo me acompanhou quando cheguei. Na hora do almoço, a governanta veio me chamar e eu desci com ela. Quando subi, o assessor veio junto, pois ele iria usar o outro computador (- aquele ali, do lado oposto do meu) para checar os e-mails da senhora Lamarck. Fomos embora juntos.
- Só isso?
- Só.
- Está bem. Pode ir.
- Obrigada.

Em seguida, o detetive Gonçalo e o policial Motta receberam o assessor.

- Por favor, sente-se senhor Lopes. – o detetive apontou uma cadeira. – Sabe porque está aqui e quem somos nós?
- Sei. – o assessor lambeu o visor do relógio de pulso e começou a poli-lo com a camisa.
- Diga-nos como foi o seu dia ontem.
- Ok. Eu cheguei à mansão às 12h30 e fui direto para a cozinha, pois já estavam servindo o almoço dos empregados.
- E depois?
- Vim para a biblioteca para checar os e-mails da senhora Lamarck.
- Circulou sozinho pela casa em algum momento?
- Não. O mordomo me acompanhou da porta à cozinha e a secretária subiu comigo até a porta da biblioteca.
- E ela não entrou?
- De imediato não. Quando chegamos à porta, ela disse que iria ao toilette e só retornou 20 minutos depois.
- Entendo... e depois?
- Depois trabalhamos até às 18h e descemos juntos.
- Só isso?
- Só.
- Está certo. Então, pode ir.
- Obrigado.

O detetive e o policial se entreolharam. A secretária omitira a ida ao toilette. Por quê?
A governanta entrou na biblioteca.

- Senhora Müller, sente-se, por gentileza. Sabe porque está aqui e quem somos nós?
- Sim. – a governanta puxou uma lixa de unha do bolso do uniforme e começou a usá-la.
- Conte-nos o que fez ontem.
- Bem, eu cheguei à casa às 8h e fui direto ao quarto da senhora Lamarck.
- Sozinha?
- Não, o mordomo me acompanhou.
- E depois?
- Peguei o cartão de compras e saí. Só retornei às 12h, no mesmo momento em que o assessor chegava. Fui com o mordomo deixar às compras na despensa. Em seguida, subi à biblioteca para chamar a secretária para almoçar. Quando terminei, voltei à despensa, pois o mordomo já estava lá e não conseguia organizar as compras. Ele está com o braço direito imobilizado por uma tendinite. Terminamos por volta das 17h e fomos aos aposentos da senhora Lamarck para saber se precisava de algo.
- E ela precisava?
- Não exatamente. Dispensou o mordomo e ficou comigo passando a nota das compras. Às 18h terminamos e ela me acompanhou até a porta de saída.
- Só isso?
- Só.
- Tudo bem, pode ir.
- Obrigada.

Mais uma vez o detetive e o policial de entreolharam. O assessor disse ter chegado às 12h30, mas a governanta afirmou que ele chegou às 12h junto com ela. O mordomo entrou no recinto. Conforme a governanta havia dito, tinha o braço direito imobilizado por uma tala.

- Senhor Thompson, sente-se. Sabe porque está aqui e quem somos nós?
- Sei. – o mordomo respondeu enquanto tateava o bolso da camisa, com a mão esquerda, em busca dos óculos.
- Conte-nos suas atividades de ontem.
- Cheguei à mansão às 7h30, mas não entrei logo na casa.
- Não? Por quê?
- Porque faz parte das minhas atribuições distribuir as tarefas do jardineiro e do caseiro. Entrei pelos fundos e fiquei conversando com o pessoal da cozinha até umas 9h.
- E não abriu a porta para a governanta?
- Não. Ela tem a chave.
- E nem para a secretária?
- Não. A governanta abriu.
- Também não abriu para o assessor?
- Também não, pois ele chegou junto com a governanta e ela abriu.
- Ok. E depois?
- Pedi à governanta que deixasse as compras na porta da despensa. Em geral, eu pego as compras no carro para guardá-las, mas, com o braço assim, não pude fazê-lo.
- E depois?
- Fomos almoçar.
- E depois?
- Fui com a governanta até a despensa, pois não podia deixar as compras do lado de fora. Pedi que me ajudasse a organizá-las.
- E...?
- Terminamos por volta das 17h e fomos aos aposentos da senhora Lamarck para saber se precisava de algo.
- E ela precisava?
- De mim, não. Mas segurou a governanta.
- E o que você fez?
- Voltei para a cozinha e fiquei lá até às 18h. Fui embora pela porta dos fundos.
- Só isso?
- Só.
- Então, pode ir.
- Obrigado.

Depois que o mordomo saiu, o policial Motta olhou para o detetive Gonçalo e bradou:

- Que caso difícil! Todos mentiram, como iremos desvendar este crime?
- Mas você não poderia estar mais enganado, meu caro amigo desatento. Este caso já está resolvido! Venha, vamos falar com a senhora Lamarck! São 17h20, em 40 minutos os empregados irão embora e não podemos deixar o bandido fugir. É possível que nossa presença o tenha deixado receoso e ele não retorne à casa. Vamos!

(Continua...)