domingo, 7 de agosto de 2011

Sexta-feira!

Gilda atravessou a passarela a passos rápidos. Para variar, estava atrasada. Desceu as escadas com dificuldade, pois o vestidinho preto comprimia suas coxas e o salto alto tirava-lhe o equilíbrio. Para completar o visual, uma meia-calça preta e os cabelos bem produzidos. Ia sair para dançar com a turma do trabalho após o expediente. Olhou o relógio que marcava 7h.

- Impossível chegar antes das sete e meia. Vou perder o café da manhã!

Alguns metros adiante, passou em frente a uma lanchonete. O cheiro era irresistível.

- Já perdi o café mesmo...

Gilda entrou na loja e examinou o balcão de salgados. O atendente estava colocando uma bandeja de bolinhos de carne quentinhos. Ela não resistiu. Sabia que não deveria comer fritura, mas a aparência estava ótima.

- Moço, me vê um bolinho deste?
- Pra levar ou pra comer agora?
- Pra levar.

O rapaz se virou e puxou um pedaço de papel cor de rosa do rolo atrás dele. Embrulhou o bolinho e o entregou à Gilda.

- R$2,00, paga no caixa por favor.

Gilda pegou o bolinho já com crise na consciência. O papel, mal tocara no salgado, ficara cheio de rodelas de gordura.

- Caraca, quanto óleo! Mas uma vezinha só não faz mal...

Ela pagou os R$2,00, colocou o bolinho dentro da pasta (na bolsa não, pois iria deixá-la com cheiro de fritura) e foi caminhando em direção ao ponto de ônibus. De longe, já pode ver o Madureira x Curicica parado. Olhou o relógio novamente: 7h10. Resolveu correr, mas, nem bem dera meia dúzia de passos, o ônibus começou a andar lentamente. Gilda parou, mas o sinal fechara a uns quinze metros dela e o motorista foi obrigado a parar também. Percebendo a chance, Gilda esqueceu o vestidinho justo e o salto alto e decidiu correr de verdade. Um pé a frente do outro, bolsa no ombro e pasta (com o bolinho de carne gorduroso) debaixo do braço. Mas, quem é capaz de perceber quando atravessa a fronteira que conduz à tragédia, ao caos? Bastaram dois segundos e uma pisada em falso para que Gilda se desequilibrasse. Não fosse o fato de estar no embalo da corrida, e ter tropeçado em um desnível do asfalto, ela teria caído ali mesmo.

O fato é que Gilda não caiu. Não, de forma alguma. O tropeço fez Gilda, simplesmente, decolar. Ela foi arremessada a cinco metros de distância de onde estava, em direção ao ônibus. Enquanto passava pelas pessoas, literalmente, voando e gritando, seus braços sacudiam-se, igual boneco de ar de posto de gasolina, procurarado apoio. A bolsa foi para um lado, a pasta foi para outro e tudo foi ao chão ao mesmo tempo. Gilda só parou quando sua cabeça encontrou o pneu do ônibus. O braço direito, ainda no ar, chocou-se violentamente contra o metal do veículo.

Tudo à sua volta congelou, ninguém se mexia, exceto o bolinho, que saiu rolando da pasta como se estivesse desfilando em uma passarela, embrulhado em seu papel cor de rosa e suas rodelas de óleo, que agora já eram manchas gigantes. Além de seus cigarros, que fugiram do maço (que também estava na pasta), indo um para cada lado, lembrando uma fuga coletiva.

A pancada na cabeça fizera Gilda cegar por dois ou três segundos, mas, naquele momento, ela desejou que tivesse sido por dois ou três séculos! Quando tentou se apoiar com a mão direita, não conseguiu. A batida na lateral do ônibus deixara o punho sem reflexo. As pessoas começaram a rodeá-la. Todos os passageiros colocaram suas cabeças para o lado de fora das janelas tentando entender de onde teria vindo o barulho da pancada. O sinal abriu, mas o ônibus permaneceu no lugar. Ajudaram Gilda a se levantar, sem entender que ela estava esperando que um buraco se abrisse para que ela fosse enterrada viva ali mesmo. O vestido subira, a meia-calça preta rasgara nos joelhos, que sangravam. Uma moça lhe entregou a bolsa, enquanto um rapaz corria atrás de seus cigarros espalhados no asfalto enfiando-os à força no maço vazio. Um menino fechou sua pasta e lhe deu. Mancando, Gilda deu o primeiro passo. Um homem se aproximou e perguntou de mão estendida:

- Isto é seu?

Gilda olhou o papel cor de rosa, a essa altura totalmente ensopado de óleo e pensou em desdenhar daquilo, mas lembrou-se que ficaria sem comer até o meio-dia. Então, respirando fundo, deu meio sorriso e pegou seu bolinho.

- Obrigada.

Em seguida, da mesma forma que Moisés separou o Mar Vermelho, Gilda foi abrindo passagem entre as pessoas que já se amontoavam querendo saber se alguém havia morrido ali no meio da multidão (e ela chegou a pensar que teria sido uma boa coisa). Subiu os degraus do ônibus, afastando os demais passageiros que tulmutuavam a porta. Encostou na roleta e o trocador perguntou:

- Machucou?

Ao que Gilda respondeu:

- Só o orgulho moço, só o orgulho...

Um comentário:

Cristiane Lira disse...

Quem nunca esperou ansioso pela chegada da sexta-feira? Bem, mas o que você faz quando ela inicia de forma "torta"? Este conto é 100% real!!! É possível até que eu tenha esquecido um ou outro detalhe, mas nada foi acrescido! É mole?