Era Sábado de
Carnaval. O detetive Gonçalo estava a caminho de sua casa de praia em
Mangaratiba quando o telefone tocou. Do outro lado da linha, o policial Motta o
informou de um caso urgente, que só ele poderia resolver.
- Eu sou o melhor, não é mesmo? – o detetive considerou.
- Na verdade, o senhor foi o único que atendeu o
telefone. Os outros todos estavam fora de área. – a verdade tinha que ser dita,
afinal, o policial havia feito um juramento de só dizer a verdade, doesse a
quem doesse.
Sem considerar
a resposta e ciente de seu dever, o detetive Gonçalo deu meia volta com o seu Fusca
85 rebaixado e retornou à cidade.
Um pneu furado
e duas horas de congestionamento depois, ele chegava à residência dos Souto
Vianna, família tradicional da classe média alta carioca. O policial Motta o
esperava do lado de fora do condomínio residencial, comendo um x-tudo com
hambúrguer dobrado.
- E então? O que me diz?
- Muito bom chefe! E ainda vem com batata frita.
- Não tô perguntando do sanduíche, quero saber do caso!
Os dois
entraram no condomínio a pé, porque o fusca engasgou e não saiu do lugar.
Manifesto silencioso de quem achou que passaria alguns dias descansando à beira
mar, porque Mangaratiba tem praia, e isso é fato!
A casa dos
Souto Vianna era a última, da última rua do condomínio. Imponente, soberba e
austera, à imagem de seu dono.
A empregada
abriu a porta e os conduziu à sala de visitas. Ambiente sóbrio e muito bem
decorado. Não tardou muito e a sra. Souto Vianna veio lhes falar.
- Boa tarde, detetive. Boa tarde, policial. Obrigada por
terem vindo! Por favor, sentem-se.
Após os
cumprimentos formais e as devidas apresentações, a sra. Souto Vianna explicou o
ocorrido.
- Roubaram minha fantasia de Carnaval! Eu vou desfilar amanhã e não há como repô-la!
- Roubaram minha fantasia de Carnaval! Eu vou desfilar amanhã e não há como repô-la!
A dileta
senhora explicou que o samba enredo da Rainha do Sobradinho era sobre a
história do café e sendo sua família dona da empresa mais antiga a
comercializar tal produto no país, ela havia sido convidada a desfilar no
principal carro alegórico da escola. A princípio, seu marido tinha sido
contrário a tal ideia, considerando incompatível com a imagem da família, no
entanto, após ver o croqui da fantasia, ele reconsiderou e permitiu, mesmo
contrariado, que a esposa participasse do evento.
O estilista
mais renomado da atualidade e o carnavalesco da escola, haviam desenhado a
fantasia especialmente para ela. O esplendor era todo em plumas de pavão
oriental fúcsia cintilante, ave raríssima, só existente na ilha de Lon-Gí
Ba-Gará-Iô.
Para a
confecção foi necessário autorização especial da APPE - Associação Protetora
dos Pavões Estranhos. Para contrastar, a fantasia também tinha plumas simples,
pigmentadas artificialmente de cerúleo.
- Era minha responsabilidade zelar pela fantasia,
detetive, e, agora, ela sumiu! – a mulher disse aos prantos – Não tive coragem
de informar ao presidente da escola, ainda. Tenho a esperança de que o senhor
solucionará este caso antes do desfile.
- Quando será? – o detetive Gonçalo perguntou olhando
para o decote da jovem senhora, apenas para se certificar de que a fantasia não
teria sido esquecida ali, debaixo de toda aquela fartura.
- Às 22h de amanhã. – a sra. Souto Vianna respondeu cobrindo, conscientemente, o colo com seu xale de seda marroquina.
- Muito bem! – ele consultou o pulso, sem relógio, apenas
para disfarçar o cosntrangimento de ter sido flagrado. – Quanto tempo nós temos
policial Motta?
- Hum... são 16h agora, chefe... isso dá... deixa eu ver... eh...
- Hum... são 16h agora, chefe... isso dá... deixa eu ver... eh...
- 30 horas. – a mulher disse impaciente.
- Ok! Preciso da relação de todas as pessoas que tiveram
acesso à casa desde que a fantasia chegou! – o detetive Gonçalo declarou, já
puxando seu caderninho do bolso de trás da calça jeans.
- Sim, senhor. Somente os moradores da casa estiveram
aqui.
Com a relação em mãos, o detetive
foi aos quartos de todos os suspeitos.
O IRMÃO NERD
No quarto do irmão da sra. Souto
Vianna, o detetive encontrou: uma mochila com uma pluma dentro (- não sei o que
esta pena magenta tá fazendo aí), um pó brilhante sobre o teclado do computador
(- resquício de uma substância para lubrificar as teclas), um lençol manchado
(- joguei uma toalha ciano, molhada, em cima da cama).
A IRMÃ PERUA
No quarto da irmã do sr. Souto
Vianna, eles acharam: uma mala com uma pluma dentro (- peguei essa pluma da
fantasia, sim, mas apenas porque adoro pink!), um pó brilhante sobre o balcão
da pia (- deixei cair minha sombra com glitter), uma fronha manchada (- eu
deitei com os cabelos molhados enrolados em uma touca azul celeste).
O MARIDO
No quarto do sr. Souto Vianna, o
policial achou: uma bolsa de viagem com uma pluma dentro (- como vou saber o
porquê dessa pluma fúcsia estar aqui?), um pó brilhante nas capas de CD da
Filarmônica de Berlim e da Gloria Gaynor (- eu sujei as mãos com o metalizado
das embalagens de café), uma toalha manchada (- usamos cerúleo no corante das
embalagens, eu devo ter lavado mal as mãos).
A EMPREGADA
No quarto da empregada também
havia pistas: uma sacola grande da Casa e Vídeo com uma pluma dentro (- ai, seu
detetive, eu peguei esse troço rosa lá do chão do quarto, ia colocar no altar
da minha santinha), um pó brilhante na capa do DVD do Naldo na Veia (- eu botei
o DVD pra tocar quando fui ajeitar a fantasia no quarto da patroa, daí sujei as
mãos com purpurina, mas não diz pra ela que eu assisti lá não, ela manda eu
embora. Só vi lá porque tem telão de cinema), uma blusa manchada (- é o sabão
em pó Limpex que eu uso pra lavar minhas roupas, ele mancha tudo de azul).
O detetive Gonçalo e o policial
Motta seguiram para a delgacia, de ônibus, visto que o fusca deu seu último
suspiro. Durante toda a madrugada eles analisaram as declarações e pela manhã,
considerando todas as respostas, eles retornaram à residência dos Souto Vianna.
Ainda não sabiam onde a fantasia estava, mas já sabiam quem a havia roubado!