O detetive Gonçalo chegou à mansão da senhora Lamarck acompanhado do policial Motta. Encontrou a distinta dama desolada e chorosa pelo roubo de valiosa pulseira de rubis, retirada de seu cofre localizado em um dos cômodos reservados da casa.
- Bom dia, senhora Lamarck. Sou o detetive Gonçalo e este é o policial Motta. Estamos aqui para atender a uma denúncia de roubo.
- Ah, cavalheiros, graças a Deus os senhores chegaram! Não quero perder um minuto sequer. A demora pode significar jamais recuperar um bem tão valioso para mim. Não apenas pelo valor financeiro, que não é pouco, mas pelo valor afetivo também. Trata-se de uma jóia que está em minha família há mais de um século! – e apontou para um suntuoso sofá. – Por favor, sentem-se.
Os dois representantes da lei sentaram-se não muito à vontade, pois ambos tiveram a sensação de que o tecido áspero e ordinário de suas roupas poderia danificar a seda cara e macia do mobiliário.
- Mas, então, senhora Lamarck, quando deu por falta da pulseira? – o detetive Gonçalo perguntou, enquanto tentava não escorregar do sofá.
- Faz cinco horas que percebi que havia sido roubada. – a dama respondeu lamuriosa. – Eu raramente a uso, pois é muito chamativa e eu sou uma pessoa discreta. Não gosto de chamar a atenção nos ambientes que frequento. No entanto, há dois dias eu a usei para ir a um jantar beneficente, pois a princesa de Muxibaba estaria presente e sei que ela é uma apreciadora de jóias. Queria que ela admirasse minha pulseira.
- Entendo... – comentou o detetive. – E ela estava bem?
- Quem? A princesa? – a senhora Lamarck estranhou a pergunta.
- Não, a pulseira. – explicou o detetive.
- Ah, sim, estava. Mas ela me decepcionou.
- Quem? A pulseira? – o detetive estranhou o comentário.
- Não, a princesa. – explicou a senhora Lamarck.
- Ah... entendo... De que forma?
- Ela ficou deslumbrada com a pulseira e pediu para vê-la em suas mãos.
- E a senhora deixou? – perguntou o detetive.
- Sim, deixei, e me arrependo por isso.
- Por quê? – o detetive Gonçalo perguntou surpreso.
- Porque ela caiu no chão.
- Quem? A princesa? – perguntou o policial Motta.
- Nããão!!!! A pulseira!!! – responderam o detetive Gonçalo e a senhora Lamarck juntos.
- E o que aconteceu? – o detetive quis saber.
- Um dos rubis ficou levemente arranhado.
- Entendo... e depois?
- Bem, quando cheguei em casa, guardei-a no cofre. Então, hoje pela manhã, resolvi pegá-la para avaliar o dano e levá-la ao joalheiro. Talvez fosse possível polir a pedra arranhada.
- E foi aí que deu por falta dela?
- Sim. Quando abri o cofre, ela não estava lá. – a senhora Lamarck ficou com os olhos marejados.
- Muito bem. Não se preocupe, iremos descobrir quem a roubou. – o detetive Gonçalo disse com total segurança. – O cofre foi arrombado?
- Não.
- A senhora recebeu alguma visita depois que guardou a pulseira no cofre?
- Não.
- Alguém mais da casa sabe a senha dele?
- Não. – ela fez uma pausa. – Quer dizer... mais ou menos.
- Como assim, mais ou menos?
- É que a senha do cofre é a mesma do meu e-mail, do meu cartão do banco, do cartão de compras e do acesso à despensa.
- Uau! A senhora não deveria fazer isso! – o detetive recriminou-a com delicadeza.
- Eu sei, mas é tão difícil decorar senhas diferentes. – ela respondeu constrangida.
- E alguém tem conhecimento disso?
- Não. Mas eu tenho quatro empregados de confiança. Cada um tem acesso a uma senha, mas eles não sabem que é a mesma.
- Explique melhor. – o detetive pediu.
- É assim, minha secretária sabe a senha do cartão do banco. Minha governanta sabe a senha do cartão de compras. Meu mordomo sabe a senha da despensa. E o meu assessor sabe a senha do meu e-mail.
- E eles nunca desconfiaram que era a mesma senha?
- Nunca. Tenho certeza absoluta disso.
- Nesse caso, terei que conversar com cada um deles. – e virando-se para o policial Motta. – Vamos amigo, vamos desvendar este furto!
Minutos depois, o detetive Gonçalo e o policial Motta estavam acomodados na biblioteca da mansão, quando a secretária da senhora Lamarck entrou no recinto.
- Senhorita Marques, por favor, sente-se.
- Obrigada.
- Sabe porque está aqui e quem somos nós?
- Sei. – ela ajeitou o decote tentando cobrir o que não era passível de ser coberto.
- Diga-nos o que fez ontem.
- Certo. Eu cheguei à mansão por volta das 8h30 e vim direto para a biblioteca, pois o computador onde organizo as finanças da senhora Lamarck fica aqui.
- E ficou até que horas?
- Trabalhei direto até às 12h30. Depois desci para a cozinha, para almoçar com os outro empregados.
- E depois?
- Voltei para a biblioteca e só saí às 18h para ir embora.
- Circulou sozinha pela casa?
- Não. O mordomo me acompanhou quando cheguei. Na hora do almoço, a governanta veio me chamar e eu desci com ela. Quando subi, o assessor veio junto, pois ele iria usar o outro computador (- aquele ali, do lado oposto do meu) para checar os e-mails da senhora Lamarck. Fomos embora juntos.
- Só isso?
- Só.
- Está bem. Pode ir.
- Obrigada.
Em seguida, o detetive Gonçalo e o policial Motta receberam o assessor.
- Por favor, sente-se senhor Lopes. – o detetive apontou uma cadeira. – Sabe porque está aqui e quem somos nós?
- Sei. – o assessor lambeu o visor do relógio de pulso e começou a poli-lo com a camisa.
- Diga-nos como foi o seu dia ontem.
- Ok. Eu cheguei à mansão às 12h30 e fui direto para a cozinha, pois já estavam servindo o almoço dos empregados.
- E depois?
- Vim para a biblioteca para checar os e-mails da senhora Lamarck.
- Circulou sozinho pela casa em algum momento?
- Não. O mordomo me acompanhou da porta à cozinha e a secretária subiu comigo até a porta da biblioteca.
- E ela não entrou?
- De imediato não. Quando chegamos à porta, ela disse que iria ao toilette e só retornou 20 minutos depois.
- Entendo... e depois?
- Depois trabalhamos até às 18h e descemos juntos.
- Só isso?
- Só.
- Está certo. Então, pode ir.
- Obrigado.
O detetive e o policial se entreolharam. A secretária omitira a ida ao toilette. Por quê?
A governanta entrou na biblioteca.
- Senhora Müller, sente-se, por gentileza. Sabe porque está aqui e quem somos nós?
- Sim. – a governanta puxou uma lixa de unha do bolso do uniforme e começou a usá-la.
- Conte-nos o que fez ontem.
- Bem, eu cheguei à casa às 8h e fui direto ao quarto da senhora Lamarck.
- Sozinha?
- Não, o mordomo me acompanhou.
- E depois?
- Peguei o cartão de compras e saí. Só retornei às 12h, no mesmo momento em que o assessor chegava. Fui com o mordomo deixar às compras na despensa. Em seguida, subi à biblioteca para chamar a secretária para almoçar. Quando terminei, voltei à despensa, pois o mordomo já estava lá e não conseguia organizar as compras. Ele está com o braço direito imobilizado por uma tendinite. Terminamos por volta das 17h e fomos aos aposentos da senhora Lamarck para saber se precisava de algo.
- E ela precisava?
- Não exatamente. Dispensou o mordomo e ficou comigo passando a nota das compras. Às 18h terminamos e ela me acompanhou até a porta de saída.
- Só isso?
- Só.
- Tudo bem, pode ir.
- Obrigada.
Mais uma vez o detetive e o policial de entreolharam. O assessor disse ter chegado às 12h30, mas a governanta afirmou que ele chegou às 12h junto com ela. O mordomo entrou no recinto. Conforme a governanta havia dito, tinha o braço direito imobilizado por uma tala.
- Senhor Thompson, sente-se. Sabe porque está aqui e quem somos nós?
- Sei. – o mordomo respondeu enquanto tateava o bolso da camisa, com a mão esquerda, em busca dos óculos.
- Conte-nos suas atividades de ontem.
- Cheguei à mansão às 7h30, mas não entrei logo na casa.
- Não? Por quê?
- Porque faz parte das minhas atribuições distribuir as tarefas do jardineiro e do caseiro. Entrei pelos fundos e fiquei conversando com o pessoal da cozinha até umas 9h.
- E não abriu a porta para a governanta?
- Não. Ela tem a chave.
- E nem para a secretária?
- Não. A governanta abriu.
- Também não abriu para o assessor?
- Também não, pois ele chegou junto com a governanta e ela abriu.
- Ok. E depois?
- Pedi à governanta que deixasse as compras na porta da despensa. Em geral, eu pego as compras no carro para guardá-las, mas, com o braço assim, não pude fazê-lo.
- E depois?
- Fomos almoçar.
- E depois?
- Fui com a governanta até a despensa, pois não podia deixar as compras do lado de fora. Pedi que me ajudasse a organizá-las.
- E...?
- Terminamos por volta das 17h e fomos aos aposentos da senhora Lamarck para saber se precisava de algo.
- E ela precisava?
- De mim, não. Mas segurou a governanta.
- E o que você fez?
- Voltei para a cozinha e fiquei lá até às 18h. Fui embora pela porta dos fundos.
- Só isso?
- Só.
- Então, pode ir.
- Obrigado.
Depois que o mordomo saiu, o policial Motta olhou para o detetive Gonçalo e bradou:
- Que caso difícil! Todos mentiram, como iremos desvendar este crime?
- Mas você não poderia estar mais enganado, meu caro amigo desatento. Este caso já está resolvido! Venha, vamos falar com a senhora Lamarck! São 17h20, em 40 minutos os empregados irão embora e não podemos deixar o bandido fugir. É possível que nossa presença o tenha deixado receoso e ele não retorne à casa. Vamos!
(Continua...)
5 comentários:
Mais um crime para o detetive Gonçalo desvendar. E aí? Arrisca um palpite?
Um palpite: eu acho que foi a Governanta porque o Mordomo usa óculos e ela o ajudou com as compras na despensa. Ela pode ter visto ele colocando a senha. Eu não consegui inocentar o mordomo, aliás, que povo mentiroso heim! Ser patrão nesse país não é coisa fácil!!! rs rs rs Quando é que vai sair a parte 2? Beijo!!!
Olá Cris. É uma honra tê-la em meu blog. Muito obrigada!
Amei seus contos e não conseguí desgrudar dos textos; li um após o outro.
São muito bons e mantém nossa atenção.
Ri muito com a história da Zuleide no restaurante e do detalhe dos banheiros cariocas. É a mais pura verdade!
Parabéns e não se esqueça de me convidar para sua tarde de autógrafos, porque é claro que você vai publicar um livro.
Visite meu blog sempre que puder.
Estou preparando um sorteio de um áudiolivro para o Natal.
Beijos.
P.S.: Estou curiosa para ler a parte 2...
O detetive Gonçalo já sabe quem é o criminoso! E você? Já descobriu também? A acusação será feita daqui a pouco! Poste seu palpite!
Esta dificil viu Cris, todos mentem, mas vou arriscar o mordomo, Ëlementar meu caro Watson", bjs
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