quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O roubo da fantasia


Era Sábado de Carnaval. O detetive Gonçalo estava a caminho de sua casa de praia em Mangaratiba quando o telefone tocou. Do outro lado da linha, o policial Motta o informou de um caso urgente, que só ele poderia resolver.

- Eu sou o melhor, não é mesmo? – o detetive considerou.
- Na verdade, o senhor foi o único que atendeu o telefone. Os outros todos estavam fora de área. – a verdade tinha que ser dita, afinal, o policial havia feito um juramento de só dizer a verdade, doesse a quem doesse.

Sem considerar a resposta e ciente de seu dever, o detetive Gonçalo deu meia volta com o seu Fusca 85 rebaixado e retornou à cidade.

Um pneu furado e duas horas de congestionamento depois, ele chegava à residência dos Souto Vianna, família tradicional da classe média alta carioca. O policial Motta o esperava do lado de fora do condomínio residencial, comendo um x-tudo com hambúrguer dobrado.

- E então? O que me diz?
- Muito bom chefe! E ainda vem com batata frita.
- Não tô perguntando do sanduíche, quero saber do caso!

Os dois entraram no condomínio a pé, porque o fusca engasgou e não saiu do lugar. Manifesto silencioso de quem achou que passaria alguns dias descansando à beira mar, porque Mangaratiba tem praia, e isso é fato!

A casa dos Souto Vianna era a última, da última rua do condomínio. Imponente, soberba e austera, à imagem de seu dono.

A empregada abriu a porta e os conduziu à sala de visitas. Ambiente sóbrio e muito bem decorado. Não tardou muito e a sra. Souto Vianna veio lhes falar.

- Boa tarde, detetive. Boa tarde, policial. Obrigada por terem vindo! Por favor, sentem-se.

Após os cumprimentos formais e as devidas apresentações, a sra. Souto Vianna explicou o ocorrido.

- Roubaram minha fantasia de Carnaval! Eu vou desfilar amanhã e não há como repô-la!

A dileta senhora explicou que o samba enredo da Rainha do Sobradinho era sobre a história do café e sendo sua família dona da empresa mais antiga a comercializar tal produto no país, ela havia sido convidada a desfilar no principal carro alegórico da escola. A princípio, seu marido tinha sido contrário a tal ideia, considerando incompatível com a imagem da família, no entanto, após ver o croqui da fantasia, ele reconsiderou e permitiu, mesmo contrariado, que a esposa participasse do evento.

O estilista mais renomado da atualidade e o carnavalesco da escola, haviam desenhado a fantasia especialmente para ela. O esplendor era todo em plumas de pavão oriental fúcsia cintilante, ave raríssima, só existente na ilha de Lon-Gí Ba-Gará-Iô.

Para a confecção foi necessário autorização especial da APPE - Associação Protetora dos Pavões Estranhos. Para contrastar, a fantasia também tinha plumas simples, pigmentadas artificialmente de cerúleo.

- Era minha responsabilidade zelar pela fantasia, detetive, e, agora, ela sumiu! – a mulher disse aos prantos – Não tive coragem de informar ao presidente da escola, ainda. Tenho a esperança de que o senhor solucionará este caso antes do desfile.
- Quando será? – o detetive Gonçalo perguntou olhando para o decote da jovem senhora, apenas para se certificar de que a fantasia não teria sido esquecida ali, debaixo de toda aquela fartura.
- Às 22h de amanhã. – a sra. Souto Vianna respondeu cobrindo, conscientemente, o colo com seu xale de seda marroquina.
- Muito bem! – ele consultou o pulso, sem relógio, apenas para disfarçar o cosntrangimento de ter sido flagrado. – Quanto tempo nós temos policial Motta?
- Hum... são 16h agora, chefe... isso dá... deixa eu ver... eh...
- 30 horas. – a mulher disse impaciente.
- Ok! Preciso da relação de todas as pessoas que tiveram acesso à casa desde que a fantasia chegou! – o detetive Gonçalo declarou, já puxando seu caderninho do bolso de trás da calça jeans.
- Sim, senhor. Somente os moradores da casa estiveram aqui.

   Com a relação em mãos, o detetive foi aos quartos de todos os suspeitos.

O IRMÃO NERD
No quarto do irmão da sra. Souto Vianna, o detetive encontrou: uma mochila com uma pluma dentro (- não sei o que esta pena magenta tá fazendo aí), um pó brilhante sobre o teclado do computador (- resquício de uma substância para lubrificar as teclas), um lençol manchado (- joguei uma toalha ciano, molhada, em cima da cama).

A IRMÃ PERUA
No quarto da irmã do sr. Souto Vianna, eles acharam: uma mala com uma pluma dentro (- peguei essa pluma da fantasia, sim, mas apenas porque adoro pink!), um pó brilhante sobre o balcão da pia (- deixei cair minha sombra com glitter), uma fronha manchada (- eu deitei com os cabelos molhados enrolados em uma touca azul celeste).

O MARIDO
No quarto do sr. Souto Vianna, o policial achou: uma bolsa de viagem com uma pluma dentro (- como vou saber o porquê dessa pluma fúcsia estar aqui?), um pó brilhante nas capas de CD da Filarmônica de Berlim e da Gloria Gaynor (- eu sujei as mãos com o metalizado das embalagens de café), uma toalha manchada (- usamos cerúleo no corante das embalagens, eu devo ter lavado mal as mãos).

A EMPREGADA
No quarto da empregada também havia pistas: uma sacola grande da Casa e Vídeo com uma pluma dentro (- ai, seu detetive, eu peguei esse troço rosa lá do chão do quarto, ia colocar no altar da minha santinha), um pó brilhante na capa do DVD do Naldo na Veia (- eu botei o DVD pra tocar quando fui ajeitar a fantasia no quarto da patroa, daí sujei as mãos com purpurina, mas não diz pra ela que eu assisti lá não, ela manda eu embora. Só vi lá porque tem telão de cinema), uma blusa manchada (- é o sabão em pó Limpex que eu uso pra lavar minhas roupas, ele mancha tudo de azul).

O detetive Gonçalo e o policial Motta seguiram para a delgacia, de ônibus, visto que o fusca deu seu último suspiro. Durante toda a madrugada eles analisaram as declarações e pela manhã, considerando todas as respostas, eles retornaram à residência dos Souto Vianna. Ainda não sabiam onde a fantasia estava, mas já sabiam quem a havia roubado!

8 comentários:

Unknown disse...

Estou curiosa pra saber quem foi...estou ansiosa aguardando a conclusão!!

Unknown disse...

Desejo um dia maravilhoso pra vc e muita inspiração para um final surpreendente!

Karen Zin disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cristiane Lira disse...

Obrigada!

Cristiane Lira disse...

Caramba, agora que eu vi que chamei esplendor de estandarte e grafei xale com ch (tudo já devidamente corrigido). Da próxima vez que eu escrever um texto de madrugada, vou me lembrar de revisá-lo pela manhã.

Karen Zin disse...

Sensacional!

Nilton disse...

falta saber quem roubou ... aposto que foi o mordomo ... o mordomo é sempre o culpado ... boa narrativa, envolvente .. estou curioso

Luiz Eduardo disse...

Muito bem, leve, sutil e irônica, Tenha lindos dias e mostre o epílogo.