sábado, 16 de julho de 2011

Seu José

JOSÉ Rezende Ferreira nasceu em 25 de outubro de 1936. Brasileiro, natural do Rio de Janeiro, filho de...

Seria assim o início de uma biografia tradicional, no entanto, não acho que deveria escrever apenas sobre aquilo que é possível encontrar em seus documentos. "Seu José", como eu o chamava, foi meu sogro por 24 anos e tenho muito mais coisas a falar sobre ele do que simplesmente seus dados civis.

Meu primeiro contato com seu José foi por meio da Igreja Bom Jesus da Penha, em 1986, onde ele e dona Dilma faziam parte do ECC (Encontro de Casais com Cristo) e seus dois filhos, Ricardo e Rogério, frequentavam o JUSA (Juventude Semente do Amanhã), do qual eu também fazia parte.

Em 7 de fevereiro de 1987, eu e Ricardo começamos a namorar, o que me levou a frequentar sua casa e aumentar meu convívio com ele.

Seu José sempre foi um homem bom, que se deixava levar muito mais pela emoção do que pela razão. Era uma pessoa totalmente transparente e não havia quem não gostasse dele. De todas as coisas que me lembro, há aquelas que, para mim, se tornaram mais marcantes: sua paixão por futebol, sua memória, suas histórias e sua personalidade ativa.

Como típico descendente de português – seu pai veio de Portugal para o Brasil de navio aos 11 anos – torcia pelo Vasco da Gama e era capaz de dizer a escalação completa do time do coração em vários campeonatos, assim como, de todas as formações da seleção brasileira em Copas mundias. Era surpreendente. Além disso, sendo um apaixonado por esse esporte de origem inglesa, assistia a qualquer jogo que estivesse passando na TV, mesmo que a gente chegasse a duvidar que alguns times pudessem existir, tamanha inexpressão que tinham. Obviamente, assinava o pacote completo do brasileirão, então, quase sempre que eu chegava lá, seu José estava diante da TV, muitas vezes com o radinho de pilha no ouvido, torcendo, reclamando e fazendo todos participarem dos seus comentários. Seu tom de voz era sempre carregado de emoção, e se eu não soubesse de sua origem portuguesa, poderia jurar que seus ascendentes eram italianos.

Para sua felicidade, conseguiu fazer de seus dois filhos, torcedores vascaínos.
Para sua tristeza, seus filhos não tiveram o mesmo sucesso. Um neto é botafoguense (com este eu faço a mea culpa) e o outro é flamenguista.
Mas bom mesmo era ir com ele ao Maracanã vendo-o vestir a camisa do Vasco que eu e Ricardo o havíamos presenteado.

Seu José adorava contar histórias, tanto aquelas vividas por ele, quanto as dos amigos. E impressionava a riqueza de detalhes com a qual ilustrava a narração. Nunca se esquecia de um nome ou de uma data sequer. Ele fazia questão de dizer o dia, o mês e o ano dos fatos ocorridos. Ia a todos os aniversários, enterros, casamentos e qualquer outro evento para o qual fosse convidado. Nunca conheci uma pessoa tão pontual. Era sempre o primeiro a se aprontar para sair, ficava ansioso com a hora e, muitas vezes, tirava o carro da garagem 40 minutos antes de qualquer um terminar de se arrumar.

Quando Ricardo levou o escritório da Visar para a casa do pai, seu José fez curso de informática, aprendeu a “mexer no computador”, passou a ter conta de e-mail e cuidar da parte financeira e administrativa da empresa. Era organizado e disciplinado. Agora, vemos isso claramente, pois todos os documentos estão organizados em pastas identificadas e encontramos tudo com muita facilidade.

Eu poderia continuar a falar de seu José e a recontar seus casos por páginas e páginas, mas não seria justa, primeiro, porque não daria a mesma ênfase que ele e jamais me lembraria das datas e nomes como ele e, segundo, correria o risco de tornar este texto cansativo (se já não estou), tirando do leitor a oportunidade de conhecer um pouco dessa pessoa humana que ele foi. Mas preciso, contudo, contar a principal história de sua vida, que foi o próprio fato de ter vivido até os 74 anos.

Há pouco mais de 22 anos, eu estava grávida do Erik quando seu José teve um aneurisma de aorta. Ele estava internado no Hospital Pedro Ernesto e os médicos, julgando-o inconsciente, conversaram entre si que ele só teria duas semans de vida, no máximo. O que os médicos não aprendem na escola, é que a fé também cura. Seu José estava desacordado para eles, mas sua mente estava ativa, lúcida como sempre foi, e ele ouviu a conversa. Naquele momento, ele direcionou seu pensamento à Nossa Senhora e prometeu que, se visse o neto nascer, rezaria o terço todos os dias de sua vida.

A partir daí, ele se recuperou e voltou para casa cheio de recomendações médicas, dentre elas, o fato de que nunca mais poderia dirigir. Bem, o Escort perua estacionado na garagem desconhece isso, porque foi muito utilizado. Ah, sim, nossas noites de buraco acabaram, porque ele realmente levava o jogo muito a sério, então, resolvemos que era melhor poupá-lo de emoções fortes.

Fora isso ele passeou, trabalhou e se manteve ativo sempre, sem nunca mais precisar se internar, mas era escravo dos remédios, esse foi o preço, uma bateria deles todos os dias. Mas todos os dias ele também rezava o seu terço, sem faltar com a promessa um dia sequer, chovesse ou fizesse sol, estivesse onde estivesse.

No Domingo, dia 10 de julho de 2011, ele almoçou com o Erik que completara 22 anos no Sábado. Estavam presentes dona Dilma, Ricardo, Rogério, a nora Claudia e o outro neto, Thiago José, uma homenagem que o Rogério fez dando seu nome ao filho. Na Quarta-feira, dia 13 de julho, ele foi ao aniversário de uma das irmãs e compartilhou, mais uma vez, suas histórias, rodeado pelos demais irmãos, sobrinhos e amigos. Mas o momento chegou... ao voltar para casa, Nossa Senhora pousou a mão sobre seu ombro e lhe disse “Meu filho, venha rezar o seu terço ao meu lado, porque nesses 22 anos, ninguém o rezou com tanta fé e disciplina quanto você. Preciso de alguém aqui em cima que ensine minha oração às novas gerações”. Então, com o semblante sereno e um leve sorriso nos lábios, seu José, homem ativo e devoto, não foi capaz de dizer não. Entregou seu coração e sua alma a Deus, que o levou sem sofrimento.

É difícil descrever a dor dos que ficaram, pois sempre queremos um pouco mais daquela pessoa conosco, mas há a certeza de que ele foi recebido pela própria Mãe, com muita luz e amor. Nos despedimos dele com uma saudade que irá perdurar até o momento em que chegar a nossa vez, e lá estará seu José a nos receber, com tudo organizado e cheio de novas histórias para contar.

Até breve seu José.
Seu José, para sempre exemplo de fé.

Um comentário:

Cristiane Lira disse...

Apenas uma singela homenagem...